Crónica de Uma Viagem Que Não se Repete à Amazónia
Hoje, ao ver as noticias do que se está a passar na Selva Amazónia
fiquei pensativa. Fechei os olhos e voltei a ver-me em 2014, quando embarcava,
em trabalho, numa viagem que me marcou para sempre.
Uma viagem à Amazónia não estava no topo das minhas
prioridades, detesto insetos e gosto de animais selvagens…com uma distancia de
segurança mas aceitei este desafio e embarquei rumo a uma viagem cujas memorias
se entranharam para sempre em mim, misturando-se com a minha pele.
A grandiosidade da selva só é possivel vista de cima. Aterrei
em Manaus no cockpit do avião e as imagens do verde imenso, que ia para além do
horizonte, em todas as direções, entrelaçado com o escuro do rio, que corria
como o sangue corre nas nossas veias ficará para sempre em mim. Só vendo com os
nossos olhos é que podemos ter a noção da sua importância e de como este pedaço
de terra é fundamental para a sobrevivência de todo o planeta. A selva, vista
de cima, mesmo aquela distancia, estava vibrante de vida e o verde, intenso e
forte, casava com os tons escuros da agua criando uma ilusão de que a natureza
é perfeita e por isso imortal.
O primeiro hotel onde fiquei foi o Tropical Hotel Manaus que
falido, este ano, encerrou as suas portas. Quem já andou por lá conhece a sua
grandiosidade, infelizmente agora já só resta por lá a “Velha Barrageira”. Existe
uma lenda, que conta a história da “Velha Barrageira”, que habita os quartos do
luxuoso Hotel Tropical. Esta lenda conta que algumas pessoas que moravam a
beira do rio negro tiveram que sair para ser construído o hotel, entre elas uma
senhora que se recusou a abandonar a sua casa e que acabou por morrer. Há quem
acredite que a sua alma vagueia pelo hotel, e que surge de madrugada nos
quartos com um aspeto de uma pessoa idosa e humilde.
Tudo começou em 1968, quando a Companhia Tropical de Hotéis,
empresa do Grupo da também já extinta Varig, arrancou com a compra do terreno e
construção numa área de cerca de quarenta mil metros quadrados, com estilo
colonial espanhol. O hotel foi projetado para disponibilizar inicialmente 358
quartos, distribuídos por quatro blocos, um centro de convenções com sete salas
de apoio, mais dois salões com capacidade até 1.500 pessoas, um centro de
compras espaço de lazer, uma vasta área de lazer e um Zoológico Tropical com espécies
da fauna amazónica e que incluía aves, mamíferos e repteis.
Inaugurado em 1976 era considerado um dos hotéis mais
luxuosos da região, servindo uma tendência da época em que as companhias aéreas
tinham as suas redes hoteleiras para assegurar aos seus passageiros uma
qualidade de serviço idêntica ao padrão que asseguravam.
Em 2014 quando lá fiquei o hotel já atravessava grandes
dificuldades mas a sua grandiosidade mantinha-se nos mais pequenos detalhes. A sua
madeira, vinda de arvores da selva, conferia-lhe um ar austero e sólido, não
tive a visita da “Velha Bagageira” mas reconheço que aqueles imensos corredores
nos segredam muitas histórias ao ouvido.
Ao final do dia, quando regressamos ao hotel, numa das suas
salas, decorriam os últimos preparativos para um casamento. Foi quando a grandiosidade
de tempos idos voltou por instantes aquelas paredes, trazendo por algumas horas
toda a grandiosidade e opulência que se perdeu com o passar dos tempos….
De uma historia que acaba tristemente passamos para outra
igualmente memorável e com um final também trágico.
O Ariaú Towers foi um dos mais famosos hotéis de selva do
mundo, todo feito em madeira, assente em palafitas, o hotel, foi construído no
meio das copas das arvores, no interior do Amazonas. Por lá passaram inúmeras figuras
públicas, conhecidas internacionalmente, como Alanis Morissette, Príncipe Charles, Gisele
Bündchen e Bill Gates entre tantas outras.
Idealizado em 1982 este complexo estava localizado nas
margens do Rio Ariaú, afluente do Rio Negro, na região noroeste da cidade de
Manaus. possuía 288 quartos distribuídas por varias torres cilíndricas
interligadas ao longo de 8 quilómetros por passadiços de madeira. Alguns desses
passadiços tinham 40 metros de altura e a sua estrutura contava com piscinas,
auditório panorâmico, bares e restaurantes.
O projeto nasceu na realidade da imaginação do oceanógrafo
Jacques Cousteau que idealizou um hotel no meio da selva durante sua primeira
expedição pelo rio Amazonas e que viria a ser um enorme sucesso. No auge, o
empreendimento tinha uma receita de US$ 1 milhão mensalmente, entre 1995 e 2001
e recebia uma média de 3 mil turistas por mês.
A experiencia, que tive a sorte de viver em 2014 incluía visita
à uma comunidade indígena, a descoberta da forma como viviam os caboclos, pesca
da piranha ao por do sol, passeio ao encontro das águas, interação com os
botos, aprendizagem de sobrevivência na selva e focagem do jacaré, por este
motivo o Ariaú foi com toda a certeza um dos principais impulsionadores da divulgação
do Amazonas no Brasil e no exterior, contribuindo por isso para um despertar de
consciências para a necessidade da sua preservação ( https://teresavaideferias.blogspot.com/2015/06/uma-visita-selva-amazonica-ou-quando.html )
O hotel fechou as portas em 2016 tendo sido depois saqueado
e praticamente todo desmantelado. Deste sonho de divulgação da selva e de
preservação da natureza já nada sobra a não ser as historias que ficaram para
contar por quem passou por lá….
E assim chegamos a 2019, às noticias assustadoras de um património
mundial que desaparece aos olhos de todos sem que nada se faça para contrariar
esta barbárie. A selva arde e com ela não são queimados os nossos sonhos, é o
nosso futuro que está a ser hipotecado neste momento. Numa época tão difícil não
me interessa quem é o culpado, o que é urgente é que a nível mundial, a
sociedade civil e as estruturas politicas tomem providencias para evitar esta
desgraça.
A selva arde e com ela estão a arder arvores, plantas,
animais, caboclos, indígenas, o nosso presente e com toda a certeza também o nosso
futuro…
Nesta viagem em que embarquei em 2014, descobri que na selva
algumas arvores brotam agua, outras veneno. Experimentei em mim um singelo pó castanho
retirado da casca de uma arvore, que curou num par de horas uma picada de inseto,
infetada, que resistia às pomadas que tinha levado. Ouvi ao longe o som das
cobras, pesquei e comi caldo de piranha, toquei num jacaré e dancei com o chefe
da tribo, filmei os botos e ouvi o silencio da selva à noite…. Tive a honra de
ser acolhida por um povo que me ensinou que cultura não é só o que aprendemos
na escola e que a fragilidade daquele ecossistema colocava nas nossas mãos a responsabilidade
da sua sobrevivência.
Hoje, ao ouvir as noticias dos incêndios que destroem o
nosso património, senti que tinha a responsabilidade de partilhar esta experiencia.
Guardo comigo todas as recordações, centenas de fotos desta viagem, e um
brinco, com uma pena de ave, que trouxe da tribo onde dancei com o chefe índio.
Para o futuro não fica mais nada e um dia, quando não restar
mesmo nada, até estas recordações se irão extinguir para sempre, se não
apagarmos antes esta destruição massiva que nos assombra.
( Esta viagem inspirou uma história que foi uma das finalistas em 2016, do concurso promovido pela Navigator, “Around the World in 80 pages2, tendo sido publicada em livro ( https://teresavaideferias.blogspot.com/2018/01/a-rosinha-e-as-coisas-de-que-me-orgulho.html )
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