Na Vidigueira a Adega do Zé Galante é Que é

Do que mais gosto é de descobrir pequenos segredos, lugares pouco explorados, pequenos encantos, especiais porque quase ninguém os  conhece.
Na Vidigueira há um lugar assim, uma adega onde o vinho da talha embala os petiscos que só podemos degustar numa casa alentejana.
Qual é o segredo? É que aqui estamos mesmo em casa e sentimo-nos tão confortáveis que não nos apetece sair e para quem quiser continuar a viver a experiencia de se sentir assim tão bem, existe perto um alojamento local, elaborado com o mesmo conceito, e que complementa a vivencia.
O texto abaixo não é da minha autoria, foi-me enviado pelo próprio Zé Galante. O Alentejo tem muitos segredos para desvendar, acompanhem-me nesta viagem:
“Foi aos 55 anos que José Galante decidiu que era tempo de dar por concluída a carreira de inspetor da Polícia Judiciária. Com a chegada da reforma passou a ter tempo para, enfim, se dedicar à "paixão" de sempre: o fabrico do vinho da talha. Em Vila de Frades - terra onde o avô já fazia vinho em finais do século XIX - ainda tinha algumas talhas de barro, na velha adega instalada na casa de família. Tratava-se de meter "mãos à obra" e começar a fazer o próprio vinho, seguindo um processo de fabrico ancestral, trazido para a Península Ibérica pelos romanos há cerca de dois mil anos.
 "O meu avô sempre fez vinho da talha, habituei-me a isto, cresci com isto, e apesar de o meu pai ter interrompido a atividade sempre sonhei que um dia haveria de fazer o meu próprio vinho", diz José Galante, que hoje em dia produz cerca de 6 mil litros anuais, entre branco, tinto e palheto, conhecido em Vila de Frades como "petroleiro" em virtude de apresentar uma cor rosada.
 A adega na velha casa de família, entretanto adaptada a turismo de habitação, ainda continua a funcionar, mas José Galante acabou também por construir uma outra adega numa pequena "fazenda" à entrada da terra. "É uma atividade que faço por gosto, por paixão, em respeito à herança cultural desta região, não é algo que dê para viver ou que possa ser encarado de um ponto de vista comercial", refere.
 A produção é pequena. E é o ex-inspetor da PJ que trata de tudo: há que cuidar da vinha, fazer as vindimas, limpar as talhas, moer a uva, acompanhar a fermentação e engarrafar o vinho (o que também é feito de forma artesanal) que, em parte, é vendido a quem lhe bate à porta. A outra parte é para consumo próprio ou dos amigos que já se habituaram a rumar a Vila de Frades depois do São Martinho, oriundos de muitos pontos do país. É nestas ocasiões que se prova o vinho, entre um petisco e um pedaço de pão, sendo que por vezes dá-se o caso de alguém "puxar" uma moda alentejana ou levar uma viola campaniça para acompanhar a festa do vinho.                            
 Plantadas junto a Vila de Frades, as vinhas dão uvas tintas  e brancas, destacando-se entre estas as da casta Antão Vaz, originária da Vidigueira. José Galante gosta de as misturar nas enormes talhas de barro, fermentando em conjunto, num processo que dá origem ao palheto, o tipo de vinho referido no refrão do hino da terra: "Vila de Frades já não tem abades/ Mas tem adegas que são catedrais/ Os seus palhetos são uns brilharetes/ São de beber e chorar por mais".
 Embora com pouco valor comercial, o palheto, ou "petroleiro", continua a ser o preferido das gerações mais velhas e rara será a adega, das 50 que ainda se mantêm em atividade, que não o fazem.
 Diz o produtor que o simples anúncio da provável candidatura do vinho da talha a Património Imaterial da UNESCO, "fez aumentar o preço e a produção", motivo pelo qual equaciona duplicar a área de vinha, através da plantação de novas videiras junto à adega.
 A chegada ao mercado de um número cada vez mais significativo de garrafas de vinho da talha, muitas delas comercializadas a preço elevado e exportadas para os mais variados países, a verdade é que este tipo de produção já passou por tempos difíceis. Nos finais do século XX existiam cada vez menos produtores, e cada vez mais velhos, o que fazia recear por um setor tradicional.
 É nessa altura (1998) que surge a Vitifrades, uma associação destinada a promover, dignificar e valorizar o vinho da talha, cuja fundação muito se deve a Augusto Palhaço, hoje em dia o seu presidente.
 O ícone mais expressivo ao longo de mais de uma dezena de anos foi sempre a realização (em Dezembro) das "Festas Báquicas", nas quais os produtores de vinho de talha e de produtos regionais como o pão, os enchidos e o azeite dão a provar os seus produtos, não faltando colóquios nem concursos para eleger os melhores vinhos de cada ano. Galante já conquistou alguns prémios.
"O pioneirismo desta Associação, associado ao seu grande conhecimento da realidade do tecido económico e social da envolvente onde actua levou a que, em 2009, lançasse no mercado o Primeiro Vinho de Talha comercializado em talhinhas de barro de 0,75 litros, que em boa hora serviu de estímulo para produtores do Alentejo que hoje vendem vinho desta forma", refere fonte do setor.
Foi também esse espírito de inovação permanente, com a intenção de "dar o exemplo" aos agentes económicos e de promover a viabilização da Vitifrades que levou a associação a disponibilizar pela primeira vez a nível nacional, em 2011, um vinho numa garrafa em forma de ânfora romana - o "Amphora" foi o primeiro vinho de talha certificado pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) como DOC Alentejo.
De então para cá, o número de produtores não tem parado de crescer, tanto na região da Vidigueira como noutros municípios alentejanos. A candidatura à UNESCO envolve uma parceria de mais de duas dezenas de autarquias, além de instituições do setor. O objetivo é que a classificação permita salvaguardar "um bem cultural tão presente no território alentejano" e que "tem uma preponderância determinante para compreendermos a origem das raízes e da identidade cult ral" da região.
De acordo com a CVRA, o essencial da vinificação em talha pouco mudou em mais de dois mil anos. Em traços gerais, as uvas previamente esmagadas são colocadas dentro das talhas de barro e a fermentação ocorre espontaneamente. Durante a fermentação, as películas de uvas que sobem à superfície e formam uma capa sólida são mexidas com um rodo de madeira e obrigadas a mergulhar no mosto, para assim transmitir ao vinho mais cor, aromas e sabores. Terminada a fermentação, essas massas assentam no fundo.
Na parede da talha, perto da base, existe um orifício onde se coloca uma torneira. O vinho atravessa o filtro formado pelas massas de uvas e sai puro e límpido para o exterior. "É um processo simples e natural, tanto quanto o vinho que dele resulta", acrescenta a mesma fonte.
Na Rua das Portas de Évora, em Vila de Frades, situa-se uma dessas adegas tradicionais. Foi aqui que o avô de José Galante começou a fazer vinho e a tradição ainda hoje se mantém. O espaço foi adaptado a alojamento local com a nome D.Teresinha, em memoria de sua avó paterna, sendo que a casa dispõe de uma cozinha totalmente equipada com área de refeições. Uma boa proposta para partir à descoberta do vinho da talha e de Vila de Frades.





Fotos do alojamento local:




A blogger viajou a convite do Festival Terras sem sombra.
Fotos do alojamento local e texto da autoria de Zé Galante



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