Crónicas Virais no Facebook

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O meu primeiro texto viral foi também um grande susto. Fiz, publiquei e arrependi-me logo de seguida. Hoje em dia já não é tão fácil mas em Maio de 2015 foi a loucura. Estive agora a ver, tem 1,1 mil partilhas! Caramba!

05maio2015

Crónicas de uma comercial cansada

E ao quinto dia de greve estou cansada.
Por isso vos escrevo, na esperança de que a net faça os seus milagres e me possam ouvir.
Para que fique bem claro não vos detesto, acho-vos lindos nas vossas fardas, admiro-vos como símbolo da segurança, da confiança e como colegas de uma mesma empresa que tem sido a minha casa nos últimos 25 anos, que faz parte da minha vida e que me corre nas veias junto com o meu sangue.
Mas ao quinto dia de greve estou cansada.
Estou cansada porque embora seja comercial não tenho tempo para vender.
Estou cansada porque mais uma vez, em época de crise, ando a distribuir esperança entre os nossos clientes, acreditando que tudo se vai resolver e que tudo vai voltar ao normal.
Estou cansada porque também eu tive cortes substanciais no meu vencimento e no meu rendimento e apesar de tudo o que fica lá fora, quando entro ao serviço coloco o meu melhor sorriso e não deixo que isso transpareça em circunstância alguma.

Estou cansada pois transmiti aos meus filhos que a TAP era uma empresa do coração, foi por cá que eles deram os primeiros passos na vida. Ensinei-os a amar esta empresa e gostava que no futuro a TAP não fosse para eles só uma recordação nostálgica do passado.
Estou cansada porque gostava de ver esperança, uma luz, que o bom senso e o diálogo funcionassem e ajudassem a motivar todos numa frente comum e com um único objectivo, preservar o nosso ADN pois esse tem sido o segredo da nossa sobrevivência até hoje.
Não acredito em greves, em manifestações ou em lutas extremas. Acredito no diálogo.
Aos meus colegas gostava de os convidar a vir conhecer melhor a nossa realidade do dia-a-dia. Assim como eu tenho curiosidade e não perco a oportunidade de uma visita ao cockpit, gostava que também vocês viessem conhecer este lado da nossa empresa, ver o que fazemos, como lutamos para manter viva a TAP. Como a amamos de verdade.

Gostava de vos dizer a olhar nos olhos, como tenho feito ultimamente com os passageiros e clientes, que precisamos construir pontes de dialogo e de destruir barricadas, que a TAP é fundamental para o turismo e para Portugal e que a melhor forma de o provar é se estivermos todos juntos do mesmo lado, todos a lutar por um objectivo comum.
Estou cansada e contudo não vos odeio porque acredito que os nossos pilotos são mesmo os melhores do mundo, e que para além de excelentes profissionais, excelentes técnicos, preparados para gerir o stress, são também homens e mulheres inteligentes que conseguem olhar para a empresa como um todo.
Estou cansada e contudo não entendo o que se passa pois não consigo entender extremismos ou fundamentalismos.
Estou cansada. Vou por o meu melhor sorriso e começar mais um dia muito difícil de trabalho.


08maio 2015

Crónicas de uma comercial cansada - Making of e outros detalhes

Esta crónica não era para existir. A primeira foi um desabafo, a meio de uma greve que nos fez dar tudo o que temos para encontrar soluções para todos os nossos clientes, nem sempre sendo perfeitas mas as melhores que tínhamos e temos disponíveis.
No entanto o impacto foi fantástico e por isso se impõe esta ultima crónica, em jeito de quem fecha um ciclo.
No início do quinto dia de greve sentei-me na minha secretaria com total consciência do dia difícil que teria pela frente, o cansaço era grande pois a jornada prometia ser longa e difícil.
Tratou-se de um suspiro profundo, feito para ser lido por alguns e eventualmente comentado por poucos. Não havia expectativas de nada, foi só um desabafo.

No entanto o meu desabafo tornou-se quase viral e eu assisti incrédula ao seu impacto na Web. O texto, escrito em 10 minutos e partilhado no facebook e linkedin por mim, teve até agora no facebook 310 likes e 1.104 partilhas e ganhei em três dias mais de 100 novos amigos. No linkedin teve 58 likes e foi lido por 541 pessoas. UAU verdade?!
Também os comentários foram avassaladores e positivos: de colegas de trabalho, de colegas do turismo ou de anónimos que expressaram a sua opinião. Senti-me muito grata e percebi algo de muito importante. Hoje é o oitavo dia e estamos todos cá, sempre sem baixar os braços, e segunda-feira, ao 11º dia também vamos cá estar exactamente com a mesma visão. Afinal a TAP não corre só no meu sangue, corre no sangue de milhares e por isso a TAP é de facto uma empresa do coração. Só assim se pode justificar toda esta corrente positiva que eu vivi nestes últimos dias e que estou agora a partilhar com todos vocês.
A todos que me leram, escreveram, visitaram e telefonaram obrigada!
E agora já sabem, vou por o meu melhor sorriso e vou começar mais um dia de trabalho


17 Setembro 2019

Crónica de Um Adeus
Esta semana peguei numa caneta, olhei para um pedaço de papel a assinei.
À minha volta o silencio, tinham-me deixado sozinha para tranquilamente assinar aquele pedaço de vida que determinava o meu futuro. Li cuidadosamente, ansiosa para chegar ao fim mas o meu olhar ficou preso numa data: 15 de maio de 1990.
Por instantes voltei a ter 20 anos, uma fato justo, saia casaco azul escuro e uma blusa branca. Nesse dia, com um sorriso nos lábios e na alma assinada o compromisso mais duradouro da minha vida, nesse dia a TAP contratava-me para fazer parte da sua equipa.
Foram muitos anos, que passaram muito rápido. Foi uma loucura de emoções, mal sabia eu que durante este tempo haveria de sentir todas as emoções que existem e algumas para as quais ainda não foram inventadas palavras.
Voltei à realidade e àquela sala, iluminada pelo sol. Lá estava o papel cheio de letras para assinar, uma caneta na mão e o silencio para me deixar decidir, pensar uma ultima vez antes de assinar aquele papel cheio de letras.
Pensei mais um pouco, não havia pressas… voltei atrás, agora já na promoção, anos que encheram a minha vida de desafios e a minha alma com muitos amigos. Vi-me a correr, a tratar de Presidentes e CEOs, a resolver desafios, a atender chamadas nos lugares mais incríveis e a resolver problemas dramáticos como se nada fosse, a criar laços, a fundar relações com base na confiança. Ganhei muito, vicie-me em reconhecimento e já não era possivel viver sem adrenalina. Viajei por todo o lado, o meu portátil e o telemóvel foram sempre os meus companheiros de viagem. Aprendi muito, aprendi tudo. Tive excelentes professores e ótimos exemplos, senti-me viva, estimulada. Os clientes reconheciam o meu trabalho e eu vivia para que tudo fosse perfeito. Dei tudo o que tinha nesses anos dourados, a TAP era o sangue que me corria nas veias e o meu grau de exigência subia à medida que subia a minha responsabilidade e o meu conhecimento da empresa…
Volto à sala onde o sol entra generosamente, estou a terminar de ler a primeira folha e de repente voltei de novo atrás, sou chefe da negociação dos grupos, sinto a pressão de fazer receita, a minha equipa confirma e põe no ar um charter em 24 horas, fazemos outras loucuras, assistimos em silencio, incrédulas, à queda das torres gémeas, comemos bolos, zangamo-nos, defendemos aquilo em que acreditávamos. Nunca trabalhei tanto, os meus filhos pequenos, passavam muitas horas sem mim, talvez não os tenha afetado mas em mim deixou marcas que só agora sinto, o tempo passou demasiado depressa!
Estou a terminar de ler o papel cheio de letras para assinar, a correr passa ainda na minha mente os anos em que fiz a licenciatura em marketing, o primeiro ano de mestrado, os amigos que ganhei, os trabalhos que desenvolvi fora da empresa, o blog…. Os últimos 3 anos no marketing ajudaram muito a consolidar todos os meus conhecimentos. Hoje, com 26 anos de vendas, 3 anos de marketing e formação na área sinto-me completamente diferente.
Respirei fundo e assinei sem hesitar, dia 30 vai ser o meu ultimo dia. Até lá vou entregar o cartão da empresa e o dístico da TAP, o numero de telemóvel vai-se manter mas o que eu levo de melhor são todos os amigos que me acompanharam. Dia 30 não é o meu ultimo dia, é o primeiro porque dentro de mim vivem muitos sonhos, muitas histórias para contar e muitas aventuras para escrever.
Este é só o começo de uma nova historia que já estou a desenhar para vos mostrar muito em breve, fiquem por perto porque cada um teve um papel único na formação de quem eu sou hoje, gostava muito de vos ter a bordo, comigo, durante muito, muito mais tempo.
Obrigada!
Pode ser uma imagem de 1 pessoa e a sorrir

08 fevereiro 2021

A TAP que já poucos abraçam
A TAP é uma senhora de 75 anos, com alma cheia das viagens que fez pelo mundo, um coração grande por abraçar tantos portugueses e estrangeiros, um colo largo porque nos fazia sentir em casa, um olhar suave e profundo porque sentia as nossas emoções, o medo, a ansiedade, a sensação de chegarmos a casa, um sorriso vasto porque nos fazia sonhar.
A TAP é uma senhora com 75 anos, que merece respeito porque foi a empresa do coração de milhares de portugueses, levou-nos nas suas asas a lugares que só víamos em filmes, fez-nos chorar quando nos entregava, no aeroporto, os nossos familiares que ansiávamos abraçar, fez parte da nossa vida, mesmo sem darmos conta, sempre que atravessava os céus, com as suas cores vibrantes, o verde e o vermelho que simbolizam a nação, num fundo branco, que simboliza a paz.
Todos os que podemos, fomos em tempos, pela mão dos nossos pais, ver os aviões e mais tarde, com a democratização das viagens, todos os que podemos entramos lá dentro e com a TAP fizemos as nossas férias e descobrimos o mundo.
A TAP é uma senhora com 75 anos, que conta a história de Portugal porque A TAP e Portugal estavam casados desde sempre. A TAP devolveu a Portugal todos os que precisaram sair das antigas colónias, dando prioridade total a esse transporte, a TAP transportou reis, governantes e até o Papa. Levou consigo artistas, desportistas, todos os que nos últimos 75 anos levaram Portugal mais além. A TAP levou e trouxe os nossos emigrantes, fez repatriamentos, devolveu animais selvagens ao seu habitat.
A TAP é uma senhora com 75 anos, fragilizada e a respirar a custo.
A TAP não merece este tratamento selvagem, de ser arrastada em publico, enxovalhada, devassada, parecendo que estamos em plena Idade Média, uma senhora que aos poucos vai caminhado para a forca, com o povo, de memória curta, a gritar bem alto pela sua morte.
A TAP não merece porque devemos respeitar as instituições e a TAP é uma instituição, porque o poder da marca, infelizmente já se foi, mas se perdermos o respeito pelas instituições nacionais pouco mais nos resta enquanto nação.
A TAP não merece por o turismo não merece. Sem companhia aérea nacional como fica o turismo em Portugal? Na mão e interesses estrangeiros? Como ficam todas as micro e pequenas empresas que dependem deste fluxo de passageiros para sobreviver? O tecido empresarial português está por um fio, quem tem empresas sabe o quanto estamos no fio da navalha, se nos acaba a TAP como vai ser? A TAP, esta velha senhora com 75 anos merece que se pare e se perceba que se ela cair, não é só uma marca forte que vai cair, é a nossa economia que vai balançar ainda mais. São os milhares de funcionários a empresa no desemprego, são as empresas de turismo – todas sem exceção – sem clientes a viajar, são as empresas que fornecem todo o tido de serviços à TAP, são os aeroportos a demorar muito mais a terem gente.
A TAP é uma senhora com 75 anos, foi até muito recentemente a maior exportadora nacional. Antes de atirarmos tantas pedras para o ar devíamos todos pensar que essas pedras podem cair mesmo em cima da nossa cabeça.
A TAP é uma senhora com 75 anos, não merece o que lhe estamos a fazer.


A Família também deu origem a textos virais no Facebook

27 novembro 2018

O Meu Conto de Natal
O Natal aproxima-se e com ele chegam sempre aqueles vídeos que nos deixam a pensar que esta época deveria ser para nos aproximarmos e para vivermos todos mais próximos.
Acontece que este ano eu tive o meu próprio filme de Natal….
Os que me conhecem ou os que me seguem sabem que o meu pai faleceu sendo que este será o segundo Natal que passamos sem ele.
O que ninguém sabia até agora é que eu não consegui apagar o seu numero de telemóvel do meu próprio telemóvel. Pode parecer estranho mas ter o numero dele comigo dá-me algum conforto e apaga-lo seria quase como negar a sua existência.
E assim, o numero do meu pai continua gravado no meu telemóvel até que um dia….Bem, um destes dias estava eu numa loja de uma grande superfície quando o telemóvel tocou, peguei nele e sorri, o meu pai estava a ligar-me!
Durante 1 ou 2 segundos o tempo parou no meu cérebro, nada se tinha passado e o meu pai, naturalmente, estava a ligar à sua filha mais nova. Foram só no máximo 2 segundos de alegria porque de seguida a perplexidade apoderou-se de mim, e eu a tremer, olhava para o ecrã e confirmava que estava mesmo e somente lá escrita a palavra PAI.
Demorei demasiado tempo a reagir e quando, a medo, resolvi atender a chamada a mesma tinha caído. Como era possível estar isto a acontecer? O que se passava comigo, com o telemóvel, sei lá, o que se passava com o mundo e com a realidade? A tremer de emoção caminhei em direção à porta da loja de onde me encontrava enquanto devolvia o telefonema. Do outro lado o sinal de chamada agitava o meu cérebro inquieto e mil perguntas saltavam de uma só vez enquanto a emoção se apoderava ainda mais de mim.
O que é que me estava a acontecer? Afinal a quem estava eu a devolver a chamada? E como era possível dar sinal de chamada quando aquele numero não tinha uso há muito tempo e por fim, o que aconteceria se de facto alguém falasse do outro lado?
Acredite-se ou não em Deus, noutra vida, enfim acredite-se ou não em tudo isto o que é mesmo certo é o meu pai não me podia estar a ligar…
Ninguém atendeu a chamada e eu saí da loja com as lágrimas a correr cara abaixo, num misto de sensações que passavam pela saudade, tristeza e até alguma desilusão. Um misto de sensações, um turbilhão de emoções, foi assim que saí da loja e…encontrei o meu marido.
Ele perguntou-me o que se passava e foi a conversar que percebi que quem me ligava à pouco era afinal ele. Como é que foi possível esta confusão? Nesse dia tinha emprestado durante uns minutos o meu telemóvel ao meu filho mais velho. Ele estava sem bateria no dele e precisava de fazer uma chamada urgente. Ao colocar o seu cartão, o equipamento sincronizou contactos e o meu marido passou a ser PAI.
Não me interessa mesmo nada o que explica a ciência, mesmo depois de uma justificação perfeitamente racional ficou comigo um pouco da magia daquele momento e todas as sensações, um caleidoscópio delas que ainda sinto dentro de mim a vibrar.
É que não me interessa mesmo nada o que explica a ciência, eu, este ano, já vivi o meu filme de Natal.


15 Março 2020

Ontem não fui à janela bater palmas
Ontem não foi à janela bater palmas, não é que os médicos e pessoal hospitalar não mereçam, mas estamos a esquecer-nos de tanta gente.
Sabem quem é o Tiago? O Tiago é o meu filho, tem 20 anos, e para juntar dinheiro para ir estudar para fora é repositor noturno no Pingo Doce. O Tiago está a cumprir com o seu dever, fica de quarentena em casa e só sai para ir trabalhar. O Tiago trabalha das 21h às 06h30 a encher prateleiras e a repor o stock do armazém para que nós, quando precisamos de algum produto, o mesmo esteja disponível e a nossa maior chatice é esperar um pouco na fila, até podermos entrar e fazer as compras. O Tiago está estoirado e nós todos os dias temos um elemento da família que entra e sai de casa, sendo que o Duarte, o meu outro filho, é asmático. Mas todos sabemos que temos de cumprir com as nossas obrigações por isso o Tiago, cansado, vai trabalhar e cumprir até ao fim.
Sabem quem é o Pedro? O Pedro é o meu sobrinho, tem 22 anos e está sozinho em Inglaterra, um lugar onde não há as restrições que vivemos em Portugal. O Pedro trabalha numa companhia aérea, mudou-se muito recentemente e está lá, sozinho, a cumprir com as suas obrigações. A mãe, por cá, tem o coração apertadinho, mas o Pedro assumiu um compromisso e vai cumprir até ao fim.
Sabem quem é o Marinho? O Marinho é meu primo, é camionista, anda pela Europa fora e continua de um lado para o outro. O Marinho não pode parar porque o Marinho sabe que a sua família precisa muito daquele dinheiro. Ontem mulher deixou um discreto comentário num post no Facebook expressando a sua preocupação, mas nós precisamos que os bens sejam repostos e o Marinho vai cumprir até ao fim.
Todos nós conhecemos os nossos Tiagos, os nossos Pedros, os nossos Marinhos ou outros e todos eles merecem o nosso reconhecimento.
É porque todos eles estão a cumprir até ao fim que eu tenciono fazer o mesmo. O mundo está doente, mas para que se cure é preciso mais do que uma vacina para o vírus, é preciso que cada um, à sua maneira continue a cumprir com a sua missão e é essencial que se crie um mundo melhor, mais forte e mais saudável.
Nos últimos dias o meu pensamento vai para quem vive do turismo, os meus colegas da TAP, e todos os meus amigos agentes de viagens, hoteleiros, hotelaria e animadores turísticos. Não podemos deixar cair o turismo, não cancelem as vossas viagens, os vossos sonhos. Adiem para quando for seguro, mas não desistam. Precisamos que a economia continue a funcionar e tal só será possível se, depois de passar esta tempestade, nos unirmos, apoiarmos, comprarmos e vivermos.
Eu, enquanto blogger, tenho também uma obrigação e vou continuar a cumprir. Ainda tenho 2 textos para partilhar, um sobre uma exposição e outro sobre um restaurante e depois vou à procura de mais, de temas que deixei por escrever e que agora posso recuperar. A minha missão é fazer com que vocês não deixem de sonhar, com que agora, que estão mais juntos e em família, possam ver o que eu escrevo, para começarem já a programar as primeiras saídas, porque tudo isto vai passar, mas é fundamental que todos aprendam algumas lições.
É por isto que ontem não fui à janela bater palmas aos médicos e pessoal hospital, não é que não mereçam, mas estamos a esquecer-nos de tanta gente….

23 fevereiro 2021

Faz hoje 4 anos que o meu pai partiu. Ainda bem para ele, que era como passarinho, e não ia aguentar não ver a família, não ir a festas, nem sequer poder tomar café com os amigos. Não ia aguentar este sofrimento que nos tem consumido neste último ano.
Ao longo destes 4 anos muitas vezes senti a sua presença. Um conforto, uma força extra. De uma forma simples, como ele era. Num por do sol lindo, em raios de sol que espreitam por entre nuvens, enquanto olho para os campos agrícolas.
Apesar de ter desaparecido do quintal da casa o seu baloiço, sinto a sua presença sempre que chego a Vila Nova, quando vejo a casa, olho o quintal já tão diferente, entro em casa e vejo a minha mãe.
Quando penso nele não o vejo velho, mas quando penso um pouco mais lembro-me da última vez que o vi, deitado na cama do lar, sem dar já sinal de vida. Lembro-me também do meu filho Tiago me dizer que o avô tinha sabido que nós lá tínhamos estado porque quando eu disse que podíamos ir porque ele nunca ia perceber que lá estávamos, e já quando tínhamos saído , o Tiago olhou para trás e visto-o agitar as pernas.
Poucos dias depois a minha irmã ligou-me numa manhã para dar a notícia. Saí da TAP, meti-me no metro para casa. Escolhi um banco onde não havia ninguém e deixei as lágrimas rolarem pela minha cara. Chorei em silêncio esta orfandade que nunca queremos sentir. À minha frente sentou-se um homem nos seus trintas com um ar duvidoso. Quando me viu chorar, largou sem eu esperar: pois é, metem-se com quem não devem e depois sofrem. Olhei-o nos olhos incrédula e não respondi, queria mas não conseguia controlar as lágrimas, rebeldes, que teimavam em se soltar e me deixar tão frágil. Ele insistiu na sua teoria do abandono amoroso e foi nessa altura que eu explodi: Oiça, pare com essa conversa, o meu pai acabou de morrer, não me apetece ouvi-lo. Uns segundos de silêncio, um olhar à toa e depois: Deixe lá, não chore, de certeza que ele lhe deixou bom dinheiro. Posso dar-lhe um abraço?
Lembro-me de escolher o caixão com a minha irmã, de o ver depois deitado, de me querer certificar de que estava mesmo morto, de o ver pálido, amarelado, com o sangue concentrado na parte de baixo do corpo, que se via na zona do pescoço e der ter descansado.
Lembro-me de pessoas que nunca imaginei, aparecerem na aldeia para me dar um abraço, das flores, tantas enviadas pelos meus amigos, com fitas de cores, que deram tanto consolo à minha mãe: - Tanta flor! Um funeral importante! Tanta gente que gostava do teu pai.
A vida é mesmo assim, e quem vai nunca vai totalmente porque deixa por onde passou muito de si e continua a viver sempre que é lembrado. Quando realmente estimamos que já partiu não desistimos, damos vida ao que essa pessoa gostava de fazer e de ser, e sempre que o fazemos, eles vivem através dos nossos gestos.

Crónicas de Uma Dona de Casa Acidental nasce quando me vi em casa, depois de anos de trabalho num meio desafiante. 

Escrever seria uma opção?

Talvez....

23 de dezembro de 2019 

 Nova rubrica: crónicas de Uma Dona de Casa Acidental

No passado dia 30 de setembro, depois de anos e anos numa empresa de grande dimensão, habituada a viajar por todo o lado e a um nível de stress alucinante optei por mudar radicalmente de vida.
De repente vi-me em casa e agora passados quase dois meses resolvi começar as Crónicas de Uma Dona de Casa para vos mostrar um pouco da minha nova vida. Muitos me perguntam como é a nova vida e eu a sorrir digo sempre -É boa!”
Mudar de vida não é fácil e sair de uma grande empresa onde se trabalhou 29 anos foi o mesmo que saltar de uma ponte, numa noite sem luar, escura como breu, só presa por um elástico. Foi o que eu fiz, não pensei muito, segui os meus instintos e lancei-me. Não ouviram porque eu sei gritar sem fazer barulho mas dentro de mim tudo abanou, mesmo assim não pensei duas vezes e saltei.
Ontem foi domingo, nos domingos ao final do dia experimentava sempre uma enorme tristeza, ontem não fiquei nada triste mas nos domingos, para além da tristeza também passava sempre a ferro e dessa parte não me livrei.
Não vim para casa para ser Dona de Casa mas estando com mais tempo livre é difícil não ser empurrada para o serviço doméstico. Nem tinha pensado nisso porque de forma intermitente tenho tido ajuda em casa e confesso que não é de todo uma paixão mas quando me vi em casa para quem acham que sobrou a responsabilidade de compras, cozinhar, passar a ferro, limpar…? Pois é, nem sempre ficamos de imediato ocupadas e a vida não para pelo que atenção para que as primeiras prioridades não passem para o fim e não acabem presas de uma vida que não era a que procuravam.
Fiquei a pensar sobre isto e como tenho um pensamento aberto a várias alternativas ainda pensei usar os conhecimentos enquanto blogger, dar-lhe um temperozinho de marketing e criar uma influencer para o mercado português que fosse especialista em ser só dona de casa. Confesso que não conheço nenhuma e por instantes a minha sobrancelha do lado direito elevou-se e pensei e porque não? Mas se o perfil chique que imaginamos para uma influencer até encaixa naquilo em que me revejo, já ter as mãos todas estragadas de lixivia, as unhas num caco por causa dos esfregões e os joelhos doridos por ter de andar de gatas a limpar o chão não faz de todo o meu género.
E até podia ser bastante atraente porque se fosse uma personagem de sucesso o mundo dos detergentes, produtos de limpeza e alimentares podia vir a ser meu mas tenho a certeza que ter o cabelo embrulhado durante muito tempo para não se sujar ainda o ir deixar mais oleoso e que acordar de manhã a pensar qual a assoalhada que ia limpar e quais os produtos que ia fotografar não são bem o estimulo extra que por vezes preciso para continuar a saltar da cama cedo.
Ainda senti uma pressãozinha extra com o meu marido a sugerir que contrate alguém para limpar “a fundo” a casa. Por momentos pensei que ele tinha captado no ar esta minha ideia mas não….demorei tanto tempo para ter umas unhas como deve ser não vai ser agora que vou estragar tudo. E foi assim que em menos de dois meses arrumei uma nova vocação na minha vida, decidi ir fazendo só o essencial, que mesmo assim não é fácil porque ainda a semana passada tive de ir a uma lavandaria secar roupa e os sacos eram tão pesados que tenho uma dor na coluna que não me aguento.
E se por um lado, de um dia para o outro o ritmo de vida muda e não tenho de me levantar às 7h00 como antigamente a não ser que tenha alguma reunião, agora tenho de fazer pela vida e procurar novas fontes de rendimento mas adoro escrever e partilhar vivencias posso não saber como vai ser 2020 mas sei que enquanto gostarem de me ler, eu vou continuar por aqui a contar as minhas histórias.
Próximos temas? Filhos, novas ocupações, velhos e novos amigos, compras, sentimentos…Vamos mais uma vez viajar juntos mas desta vez, em vez de irmos para o estrageiro, vamos viajar à procura de uma nova vida, porque todos temos o direito de fazer as nossas escolhas e de lutar por aquilo em que acreditamos.
( Se houver algum tema que queiram ver abordado digam, tem mais piada se for interactivo 🙂 )
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O rescaldo do Natal
Se existe época do ano que mexe comigo é o Natal. Um misto de adoro e odeio que leva os meus sentimentos num turbilhão de emoções que faz qualquer furação das Caraíbas parecer uma simplória tempestadezita de segunda.
Sinto-me quase inglesa, acaba o Verão, começam os dias a ficar mais curtos e os casacos a saltar dos roupeiros e eu começo a pensar nas decorações de Natal . Como já levo uns bons anos disto tenho uma data de tralha, alguma de que me esqueço, e que me de faz vibrar só de pensar em abrir aquelas caixas cheias de pó e ver que todos os anos salta lá dentro tanta magia, nos tons clássicos de verde, vermelho e dourado. Durante pelo menos um mês vou deixando ficar as decorações mas em alguns anos já esteve quase a chegar ao Carnaval contudo existe uma justificação porque o ar enche-se de magia natalícia e até aqueles cheiros que espalho pela casa são de madeira, maça e canela, ricos, quentes e cheios, como aliás o Natal deve ser.
Por outro lado as emoções são tantas e as expectativas também, que fico muito mais sensível do que qualquer outra altura do ano, depois, também por magia, dia 26 já passou tudo mas até ao dia 25 vou subindo no funil de emoções que até a mim me chateia.
Este ano a loucura das emoções esteve lá toda mas devido à minha nova vida algo foi muito mais fácil – as compras de Natal!
Os preparativos foram os mesmos, normalmente faço uma lista com três colunas, uma com os nomes, outra com o valor máximo a gastar e outra com o valor real, quando termino, tal como no balanço das empresas, faço o balanço do que esperava gastar versus a realidade, o objetivo é, igual às empresas, conseguir poupar o máximo conseguindo as melhores prendas para os que me estão mais próximos. O ideal é guardar a lista e no ano seguinte comparar os resultados, as prendas de Natal não são um investimento mas o orçamento mensal, sobretudo quando uma boa parte deixou de existir, é para gerir cuidadosamente.
As compras de Natal este ano foram rápidas porque tive tempo para as fazer. Pensei com antecedência o que ia comprar e numa tarde fiz tudo mas eis que um dia, quando olhava para a minha árvore repleta de prendas e com o Gato a dormir debaixo dela um dos meus filhos apagou-me a paz interior com esta simples frase: - Mãe, segunda-feira vais comigo para eu acabar as minhas compras? O meu interior lançou aquele grito lancinante mas inaudível para os humanos NÃAAAAAOOOOO!
E depois, eu, com a minha voz mais fofinha: - A sério? Não me dá jeito nenhum…..Não me parece… E ele, com ar de anjinho, daqueles que colocamos ao lado da arvore ( tem de ser ao lado porque se fosse em cima ele esborrachava a pobre arvore ) – Mãe, fazemos um programa mãe e filho….. Estes sacanas sabem apanhar-nos não sabem?
Na segunda lá rumei ao Colombo, eu e Lisboa em peso, gente cheia de sacos, os primeiros saldos, famílias em peso a passear os avozinhos muito lentamente, criancinhas a correr por entre toda a confusão como se estivessem na Disneyland, a loucura, e eu com a minha dor de costas ainda ao rubro.
Quando finalmente acabamos e fomos à procura do carro descemos pelo lado errado e ao chegar ao -1 não encontramos o caminho para o piso inferior. Vimos dois homens a perguntar como iam para o -2 e fomos atrás deles….foi a pior decisão deste Natal! Estavam tão perdidos como nós, ou ainda mais porque não eram de Lisboa. Demoramos uma eternidade a percorrer o parque, fomos atrás deles porque viram uns elevadores e sem percebermos estávamos já na zona de trabalho do Colombo, subimos, descemos, atravessamos corredores, passamos por zonas de trabalho, oficinas e manutenção, fizemos 2 “amigos” que afinal eram de Leiria e que diziam que aquele Centro Comercial era mesmo muito estranho, depois fomos questionados sobre o que estávamos ali a fazer, andamos por mais corredores, a minha dor nas costas não me largava e quando finalmente conseguimos sair para o parque de estacionamento estávamos na zona vermelha. A pé, a caminho da zona verde que não é assim tão próxima, no emaranhado de carros típico de vésperas de Natal, os dois leirienses passaram por nós, buzinaram, abriram o vidro do carro e disseram: -Afinal ainda vamos embora primeiro do que vocês. E meteram a primeira e lá foram eles a rir, todos contentes. É por estas e por outras que se existe época do ano que mexe comigo é o Natal. Um misto de adoro e odeio que leva os meus sentimentos num turbilhão de emoções que faz qualquer furação das Caraíbas parecer uma simplória tempestadezita de segunda….
( Se tiverem sugestões para as crónicas partilhem, aos poucos, e sem mencionar o pedido se for melhor para quem o fez, vou escrevendo sobre as sugestões que vou recebendo. Aqui, agarrei na dica que recebi da
Stela Maria
e expliquei como faço para controlar o orçamento nesta época especial. De facto, sendo interativo é muito mais engraçado)
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Crónicas de Uma Dona de Casa Acidental
( ler enquanto de está a ouvir - seguir link)
Acho que todas as donas de casa têm dias assim 🙂
Hoje está um frio que não se pode e ainda por cima chove.
Hoje não tenho nenhum motivo para sair de casa, não tenho reuniões, só o telemóvel, aqui e ali, apitou com uma ou outra mensagem.
Hoje o mundo parece ter parado, o silencio , mesmo em Lisboa, onde moro é enorme.
Hoje devia sentir-me cheia de energia, com vontade de devorar o mundo mas não..
Hoje não estou triste, nem estou contente, só estou e deixo-me estar.
Hoje, como em tantos dias tenho muito para fazer, tenho textos para escrever, burocracias para tratar, assuntos para investigar mas falta-me o gatilho
Hoje devia estar a arregaçar as mangas mas hoje está frio e não me apetece
Sei que o dia de Hoje não se repete por isso é uma oportunidade que já não posso descobrir
Sei que o dia de Hoje é fundamental para construir o amanhã e que neste momento cada dia conta.
Sei que o dia de Hoje é importante porque cada dia é uma nova oportunidade que a vida nos dá para sermos felizes.
Sei que o dia de Hoje vai passar a correr e quem sabe não vou lamentar não o ter aproveitado melhor
Sei que o dia de Hoje é sempre pouco valorizado, achamos que é garantido mas durante um dia acontecem tantas coisas e tanta coisa se perde
Hoje, porque não sei como vai ser o amanhã tem de ser aproveitado, vivido, rentabilizado
Mas hoje, hoje está um frio que não se pode e ainda por cima chove
Hoje vou-me deixar ficar aqui, hoje não tenho nenhum motivo para sair de casa e ainda por cima chove
Hoje vou deixar correr, amanhã é um novo dia
( Se tiverem sugestões para as crónicas partilhem, recebi esta sugestão de música da
Sofia Redes Martins
- muito bom para ouvir num dia como o de hoje)
The Presence, Serene And Tender
Crónicas de Uma Dona de Casa Acidental – Um Mergulho no Borda D´Água
Olá pessoal ( como dizem os que gostam de “stremar” ), tudo bem? Aqui estou de volta com mais uma crónica de Uma Dona de Casa Acidental – tudo com letra grande porque as Donas de Casa merecem o nosso respeito mas este tema fica para outro dia.
O que faz uma verdadeira dona de casa? Daquelas mesmo à moda antiga? Arruma a casa, pensam uns; vai à praça com a cesta sugerem outros; Fica toda aperaltada à espera do marido pensam poucos acredito eu!
Não, errado! Uma verdadeira dona de casa à antiga, tenha ou não o avental à cintura lê o Borda de Água e eu claro, já comprei a edição de 2020 e caramba, é uma viagem no tempo! Estamos em 2020 mas ao mesmo tempo estamos em 1950 e não é que sabe tão bem?
Tentei chegar à fala com a editora enviando um email porque gostava de ter usado este tema para um post no blog mas como não tive resposta pensei noutra abordagem, mais simplista mas não deixando de lado o ponto de vista de marketing.
Então vamos lá, vamos entrar na capsula do tempo e desafiar todas as teorias de marketing. Preparados?
Primeira conclusão, que vos pode deixar em choque – o Borda de Água tem uma página de facebook que não actualiza desde 14 de junho de 2013, não tem Instagram e muito menos TikTok e contudo continua vivo e saudável que nem um pero ( a melhor expressão atendendo ao tema), celebra 91 anos, a edição que comprei custou 2.3€ e tem uma tiragem de 100.000 exemplares. Então especialistas de marketing não é um desafio a tudo o que conhecemos?
Vamos mergulhar lá para dentro.
Primeira página – depois de uma pesquisa na net descubro que a editora e a diretora são a mesma desde há muito, muito tempo. Outro choque! Não devia estar sempre a mudar? Venham preços mais baixos, sangue novo novas ideias e conceitos, vamos alcançar mais publico, ser mais audazes - népia! Nada disso e contudo a edição deste ano tem uma tiragem de 100 000 exemplares e custa 2.3€.
Tenho de ter atenção e não vou fazer citações porque sou dona de casa mas não sou parva e logo na primeira página também diz que a reprodução da obra por qualquer meio é passível de ação judicial. Não vou citar nada mas caramba a sério? Não querem que se façam citações, publicações do conteúdo sem a sua autorização e apesar disso tem uma tiragem de 100.000 exemplares? Foi aqui que comecei a questionar o que andei a fazer tantos anos a estudar marketing e se não teria feito bem melhor em não me armar em criativa pós moderna, o pós aqui significa a favor de, e ter sido só dona de casa. Não teria uma tiragem de 100.000 exemplares mas uma experiencia e tanto.
Lembro-me deste almanaque de pequenina, de ouvir os adultos, num tempo em que nem os filmes de ficção cientifica sonhavam com a internet, citarem pedaços fazendo alusões às marés, agricultura, jardinagem, animais, o tempo sei lá, tanta coisa que cabia dentro deste bem precioso, que era comprado religiosamente todos os anos a um qualquer ardina de rua e depois guardado cuidadosamente numa gaveta onde os miúdos não pudessem chegar e ai de quem tivesse a ousadia de lhe tocar. Mesmo assim chegava a dezembro gasto do uso e ainda mais amarelecido do que em janeiro. Nessa altura era colocado no lixo ( não tinham ainda inventado a reciclagem) e comprava-se logo outro! Hoje em dia já não é assim, os meus filhos nem sabiam o que era até ao inicio deste ano, quando me transformei em dona de casa e claro, lá está, fui logo comprar um exemplar.
Quando vi com atenção a capa, parecia que nada tinha mudado desde que eu era mesmo muito miúda. Lá estava o senhor da cartola com a ferradura a vermelho em cima da cabeça, e tudo exatamente igual ao que me lembro, o tipo de letra, a apresentação, tudo, tudo rigorosamente igual. Ao longo deste anos todos e passados 91 anos desde a sua fundação não é que ainda tem uma tiragem e 100.000 exemplares?
Lá dentro não há qualquer publicidade, não há patrocínios nem parcerias, lá dentro as folhas ainda vêm fechadas e tal como quando eu era mesmo muito miúda temos de, com todo o cuidado, e uma faca bem afiada, abrir uma a uma enquanto descobrimos o seu conteúdo.
Por 2.3€ temos um calendário, informações sobre os signos, frases antigas de que alguns já se esqueceram e de que muitos nunca ouviram falar, o nascer do sol, a informação sobre quanto crescem ou diminuem os dias, as luas, dias santos, aniversários de personalidades, dias especiais, oraculo, informações sobre agricultura, jardinagem e animais, quantos dias já vivemos este ano e quantos faltam para o fim do ano, fases da lua, tabela das marés, as estações do ano, eclipses, festas, feiras e mercados e tanto mais, tudo com aquele ar antigo, de que já nos esquecemos, tal como muita da informação e dos princípios que por lá vivem. O que tem de mais extraordinário? Se não tivermos net, mesmo assim temos toda a informação disponível, deve ser por isso mesmo que em 2020, o Borda d´Água tem uma tiragem esta dimensão.
Não sei se existem muitas marcas com esta coragem, que contra todas as tendências, seguem o sem caminho nunca se afastando do rumo inicial e mantendo a chama viva por 91 anos.
Olhando pela perspetiva de marketing, se eu tivesse uma cartola como o senhor de óculos da capa, ao Borda d´Água eu tirava o meu chapéu.
Olhando pelo lado de dona de casa, o almanaque já tem um lugar de destaque na minha sala, tendo arrumado muita revistinha bonitinha, pensada para ficar bem a decorar a mesa de apoio, ficando bem visível, sempre à mão, porque eu ainda sou dona de casa de ½ tigela e não percebo nada dessa coisa das luas, das agriculturas e da jardinagem mas agora acho que chego lá!
Então, quem comprou o almanaque este ano?
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Crónicas de Uma Dona de Casa Acidental – A Guerra dos Gatos
Tenho a sorte de ser uma dona de casa que mora em plena Lisboa e numa casa com quintal. Poderia ser uma dona de casa muito moderna, mas afinal sou só a vizinha dos gatos.
Quando me mudei trazia na bagagem o meu Gato, lindo, preto, de pelo alto, brilhante e macio e a minha Maria, uma lindíssima loura de olhos verdes penetrantes. Os dois caíram na minha vida porque tinha de ser.
O primeiro foi o Gato, tão calmo que nem sabe miar, encontrei-o sozinho e bebé, num passeio. Em vez de fugir deitou-se ao comprido quando fui com a mão e foi assim que o Gato veio parar cá a casa. Tem uma personalidade majestosa, fica sem fazer barulho a observar tudo incluindo as guerras dos seus amigos. É o verdadeiro companheiro, aquele gajo porreiro que queremos por perto nas horas difíceis. Conversa muito baixinho imitando o nosso timbre de voz, senta-se nos bancos altos para estar à nossa altura, olha-nos bem dentro dos olhos, não desvia o olhar e semicerra os e seus olhos, piscando-os ao de leve. Gosta de nos lamber o pescoço, aninha-se, muito suavemente, entre as nossas pernas para dormir e dá pequenas marradinhas de carinho. Com este feito claro que adora visitas, cumprimenta sempre toda a gente e é gato para se sentar no sofá com quem vem cá a casa. Nunca se queixa, nem quando está doente. Suplica para ir ao quintal e quando está lá fora e nos vê chegar vem logo a correr. Adora o Duarte e o Tiago e deixa-os fazer tudo, dando-lhes lambidelas em troca. É o meu gato cão, um verdadeiro companheiro. Gosto dele! Já tive muitos amigos assim, agora é que tenho menos, parece que é da internet, ou da vida que levamos, ou sei lá do que, mas os tempos mudam e o comportamento humano também, ao contrário dos gatos que teima em ser sempre igual.
Com um gato assim, um ano depois quando vimos a Maria no quintal da casa da minha mãe não resistimos. A Maria é outra onda, a Maria é a minha Marilyn. Muito jovem e sem mãe por perto a Maria encontrou proteção junto do gato já idoso que morava lá no quintal, mesmo assim, como era muito frágil e desconfiada mal se via, saindo só ao lusco-fusco e andando sempre na sombra daquele gato tigrado.
A Maria era uma jovem linda, esguia e loura, tinha uma papada branca e um pelo alto e lindo apesar de maltratado. Os olhos enormes, verdes, falavam de medo e de abandono e apesar de ter sido difícil apanhá-la a Maria ganhou uma casa, um Gato que no início a detestava, ou seja, ganhou um lar. Apesar disso a Maria, tal como outras pessoas que todos conhecemos, é frágil, muito medrosa e desconfiada. A Maria era estupidamente linda era também estupidamente sensível e isso impediu-a de viver a vida em pleno. A Maria, agora já com uns 7 anos, passou os seus melhores tempos escondida debaixo de moveis e sem confiar nem arriscar nada. A custo, dá e aceita alguns mimos, mas sempre a olhar à volta, sempre à espera do pior. A Maria já não vai para nova e nela a idade começa a pesar. O seu ar carrancudo, de testa franzida, está ainda mais vincado, a beleza do seu pelo perdeu-se porque ela vai-o arrancando desesperada no seu miar, não vai à rua durante o dia porque tem medo dos outros gatos ou quando vai corre tanto que se torna quase ridícula. Como podem ver a minha Maria é a minha Marilyn e claro que todos conhecemos também pessoas assim.
Tenho a sorte de ser uma dona de casa que mora em plena Lisboa e numa casa com quintal. Quando me mudei encontrei por lá um gato amarelo, um tipo perfeitamente normal para gato, que tinha sido abandonado ali. No início não percebi, mas com o passar do tempo conheci toda a sua história. O Jeremias (este não é o seu verdadeiro nome, mas eu uso Jeremias para salvaguardar a sua privacidade), apesar de ser um gato normal e jovem tinha caído na rua sem perceber que tal estava a acontecer. Abeirou-se de mim para pedir comida, como tanto o Jeremias, e aos poucos foi-me deixando fazer festas e contou-me a sua história que era tão triste e inesperada, tal como a de muitos de que ouvimos falar, que eu comprei-lhe uma cama, feita a partir de uma transportadora, e coloquei-a num lugar alto no meu quintal. No inverno, quando chove, tapo-lhe a barraca com uns plásticos e um chapéu de chuva, lavo-lhe regularmente as mantas e tento dar-lhe algum conforto. Tal como fazemos sem ser com os gatos, não o posso trazer para dentro de casa porque existe um equilíbrio que uma dona de casa tem de manter, mas faço tudo para que ele e a minha consciência vivam tranquilamente.
Tudo estava bem se não fosse o Bau, o Bau é o arruaceiro do bairro. Pelo olhar desconfiado, não deve ter uma vida fácil, mas ao contrário de outros, no caso dele deu-lhe para a maldade e para fazer builing ao Jeremias. O Bau, preto e branco, para o feiote e mal feito de corpo é mesmo mau. Já me atacou uma bota de borracha porque eu queria andar e ele não queria sair da frente. Claro que primeiro ele me mandou estar quieta, fechou-me numa passagem do quintal e miava-me ameaçadoramente, quando avancei saltou-me para a bota de borracha como se não houvesse amanhã. Foi o nosso primeiro confronto e ganhei eu, ele voou para o quintal do vizinho e nesse dia percebeu quem era a autoridade no quintal. Mesmo assim, religiosamente 2 a 3 vezes ao dia, vem comer ao quintal e chatear a cabeça ao pobre do Jeremias, que de tímido se encolhe num canto. Quando pode foge para perto da minha porta e eu, que quando posso, agarro na mangueira de regar as flores, abro o esguicho na opção mais forte e Záaaaas banho ao bau-mau! Ele quando me vê, de mangueira em riste já se afasta, devagar, e sempre a olhar para trás e eu, bem, eu já dei por mim várias vezes aos berros no quintal- “anda cá que agora é que vais ver! Aí queres luta? Achas bem bater nos mais fracos? Se és forte anda cá e vamos ver quem ganha meu grande sacana!” Não sei o que pensam os vizinhos, se já perceberam que eu estou só armada na vizinha dos gatos ou se já lhes passou pela cabeça que há uma hipótese de violência domestica mas calculo que não se metem porque nunca se sabe o que pode acontecer. Não me preocupo nada com isso, nesta pequena sociedade que vive pelo meu quintal temos um pouco de tudo e aqui, para estes gatos eu sou a Lei porque tenho o poder de administrar a justiça ao meu belo prazer, de fazer a gestão da comida e da água e até de os soltar quando se portam bem, prender quando se portam mal e castigar severamente quando o Bau passa das marcas.
Aqui no meu quintal eu sou a lei, mas caramba, do quintal para fora eu sou só uma dona de casa acidental. Espero que as regras do universo não sejam as mesmas e que afinal este não seja este o terceiro segredo de Fátima!
Nota da dona de casa: qualquer semelhança com a vida real é pura coincidência.


( foto 2008)
A pedido de várias familias, aqui vai:
Cronicas de Uma Dona de Casa Acidental – Ufa! Os meus já cresceram
Nestes dias loucos existe algo que ninguém tem coragem de confessar. Não, não é que para ir ao pão, passear o cão, fumar um cigarrão ou comprar um esfregão, quase todos, às escondidas, dão um saltinho à rua. Colocam o ar mais beato, ajudado pelas máscaras, lenços e luvas, e lá vão eles como se o futuro da humanidade estivesse dependente daqueles gestos. Tal e qual os miúdos, que sabem que estão a fazer disparates, mas mesmo assim não param e todo este comportamento está de tal forma entranhado em todos nós que ontem quando dei pela falta de um documento importantíssimo, corri a casa toda e como não o encontrei, saí disparada em direção ao carro. Ao chegar, vi do outro lado do passeio 2 policias a olhar fixamente para mim…E pronto, lá está, fiz o meu ar mais cândido e atarefado, mergulhei a cabeça entre os bancos e falei sozinha e alto, como se daquele gesto depende-se o futuro da humanidade…o que é certo é que resultou. Eles seguiram caminho e eu procurei calmamente o que me faltava e voltei rapidamente para casa.
Mas o que está a deixar a população realmente louca são os miúdos, ai os miúdos… Os meus cresceram, um está no quarto, no pc ou a ter aulas e o outro está no outro quarto a editar fotos, sons e filmes. Além disso neste prédio os mais jovens têm mais de 18 anos pelo que, durante todo o dia,não se ouve qualquer barulhinho. Mas os miúdos, é pá lembro-me bem como era e nunca fiquei de quarentena em casa. Entretê-los todo o dia enquanto os pais estão em teletrabalho deve ser uma carga de trabalhos. Venham de lá os psicólogos explicar tudo, passo por passo, os 100 passos para ser bons pais…ou venham os espertinhos das redes sociais, mostrar fotos dos anjinhos, todos arrumadinhos e direitinhos, a ler um livro ou a jogar um jogo numa sala imaculadamente arrumada. Parem com isso, porque os pais, à beira de um ataque de nervos, ainda vos denunciam ao Facebook como sendo Spam.Pais – não vale de muito, mas estou com vocês! Tentar ter uma reunião via Skipe com um puto aos gritos a dizer que quer fazer xixi, ou atender o chefe, enquanto o fedelho,matreiro, trepa para cima do armário, ou estar a responder a emails, tomar decisões, pelo menos tentar pensar, enquanto eles se embrulham à estalada uns com os outros ou então, o pior de tudo….o silencio….porque se eles estão calados e aparentemente quietos, larguem tudo, deixem os colegas na reunião, o chefe no Skipe, parem o mundo porque no mínimo estão a pegar fogo à cozinha e no máximo….bem no máximo só Deus sabe! Depois voltem calmamente porque todos eles têm filhos logo todos vão entender o que se passa. Claro que estou a ver os professores, educadores e auxiliares com um sorrisinho no canto do lábio. Afinal este é o dia a dia nas escolas e os pais só passam por tudo isto ao fim de semana. Ó pá, vá lá, não sejam assim. Vocês escolheram esta profissão e os pais escolheram ser pais, mas não escolheram ter de passar por esta tormenta. Imagino neste momento muitos pais cheios de vontade de colocar os putos na roda e dar por encerrada esta etapa da sua vida, especialmente quando chegam ao final de mais um dia atípico, cheio de trabalho e de chatices, que só agravaram com o vírus, depois de ter de cozinhar, limpar a casa, passar a roupa a ferro e já não penso em fazer compras porque muitos já as fizeram antes de estarmos de quarentena. É por isto que o pessoal que está em casa, mas não coloca nas redes sociais imagens da casa ou dos fedelhos. A casa, acreditem, está caótica, cheia de pó, com roupa por arrumar por todo o lado, camas desfeitas, brinquedos por todo o lado e chão por aspirar; os putos, alguns com ranho (pânico!!) a pingar do nariz, estão todo o dia de pijama, desgrenhados e, com sorte, tomam banho e trocam de roupa uma vez por semana, ao sábado. O olhar deles não é de felicidade antes faz lembrar, ligeiramente, Chucky, o boneco assassino. E só passaram alguns dias, por isso tenham força, não desistam porque não estão sozinhos. Hoje, às 22h00, quando for bater palmas,vou estar a pensar nos coitados dos pais e nas desorientadas das criancinhas que estão de quarentena, a enlouquecer, por este mundo fora.
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Cronicas de Uma Dona de Casa Acidental – O mundo dentro de uns sapatos
Sinto-me cada vez melhor, com estes dias de antecipação de verão, os cheiros da primavera no ar e a renovação da esperança nos rostos de quem se cruza comigo.
Aos poucos também eu estou a encher o peito de ar e a retomar, dentro da nova realidade, a minha vida antiga, de que por vezes me queixava sem ter afinal razão para tal.
No meu quintal, exceto o limoeiro, que lhe deu a louca e está mais depenado do que um peru na véspera de Natal, as flores enchem o ar com uma brisa suave e perfumada, as arvores fazem sombra e o silencio das traseiras é interrompido por uma ou outra vizinha, também em teletrabalho, umas obras ao longe ou alguém que canta musica brasileira, mais nada. É nestas alturas que me lembro de Jorge Amado, de seu nome completo Jorge Leal Amado. Não pela coincidência de partilharmos o mesmo apelido mas porque li algures que se havia coisa que ele gostava até ao final dos seus dias, era de se sentar no seu jardim com a sua mulher, à sombra de uma arvore, a desfrutar da tranquilidade da natureza. Claro que o Jorge Amado tinha um jardim e eu tenho um quintal, ele morava numa casa em Salvador da Bahia e eu num apartamento em Lisboa, mas mesmo assim, consigo vê-lo lá, sábio com toda a sua vivencia, a aproveitar a beleza que é a simplicidade da vida.
Deixando, com muita pena, Salvador para trás, a semana passada tive a minha primeira reunião de trabalho pós-covid. Sapatos, sabem o que é? Percebi nesse dia que eu tinha deixado de saber e que isso era algo que me ia custar a reaprender.
Desde outubro, com o meu grito do Ipiranga (lá estou eu de novo de volta ao Brasil…), deixei de usar sapatos, botas, sandálias, stilletos, mules, tamancos, sapatos com plataforma, tudo! Achei que a minha independência passava por vários pares de ténis, investi em alguns modelos, e entre andar descaça em casa e de ténis na rua, lá assumi a minha nova vida.
Com a chegada do covid, dia 13 de março entrei em casa e o luxo passou a ser calçar umas chinelas. Possivelmente estes momentos de prazer estão associados com a minha infância, ainda me lembro de conseguir colocar os dedos dos pés na boca quando era muito miúda. Acham mesmo que é nojento? Eu tenho é inveja dessa fedelha que sem qualquer dificuldade chegava com os dedos dos pés à boca, hoje se chegar com as pontas da mão aos dedos dos pés já me sinto uma heroína.
Mais de 2 meses depois, na semana passada, quando coloquei nos pés umas sandálias simples, sem salto, só com 2 tiras é que foi… A princípio estava tudo bem, pensei, isto nem está a correr mal, como as sandálias não têm altura e são bastante confortáveis foi uma boa escolha. Umas duas horas depois eu arrastava levemente os pés e com passos bem mais curtos, no final do dia, cheia de calor, farta da máscara que só me faz ficar ainda mais quente, eu só queria chegar a casa.
Quando finalmente me consegui descalçar, o dedão ostentava 3 bolhas, que, entretanto, já tinham rebentado e cujo ar encarniçado me alertava para parar de imediato com a brincadeira. No dia seguinte voltei a tentar as mesmas sandálias, arrastei-me até aos postos de correios que ficam a uns 300 metros da minha casa, a chinelar e quase sem levantar os pés do chão arrastei-me debaixo de um calor infernal e com uma máscara que se transformou num pesadelo de volta para minha casa. Assim que retirei a máscara e as sandálias, assim que libertei as duas extremidades, todo o meu organismo saltou de alegria e fez-me sentir em paz.
Desde esse dia não voltei a calçar sapatos e sinto agora que o meu grande medo não é afinal sair de casa, mas descobrir o que vou colocar nos pés quando tiver de o fazer todos os dias. Sou só eu que estou a viver este dilema?
Foto @malvestida Magazine
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06 de fevereiro de 2020 

  14 de janeiro de 2020 

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