Rosinha Minha Canoa ….Porque todo o mundo tem um pouco de louco
Do mesmo autor de O Meu Pé de Laranja Lima, este livro vai
mais longe na abordagem dos sentimentos mais profundos da natureza humana.
Andando um pouco para trás no tempo, José Mauro de Vasconcelos,
que nasceu no Rio de Janeiro, escreve em 1968 O Meu Pé de Laranja Lima, obra
que retrata o dia-a-dia do pequeno Zezé. O menino só tem 5 anos mas descobre do
modo mais cruel o desapego da natureza humana, só sentido algum conforto com o
seu amigo e confidente, um pé de laranja lima.
Por aqui a pobreza real e a preocupação com a sobrevivência conduz
à pobreza moral, prendendo a nossa atenção para o facto de muitas vezes dentro
da própria família, serem os mais fracos que pagam a fatura mais pesada. Este
livro retrata essa realidade de uma forma maravilhosamente simples, usando para
tal o Zezé, um miúdo traquinas, esperto e muito sensível que só encontra
consolo para todo o seu sofrimento quando encontra o amigo portuga. No entanto
o seu pequeno mundo desaba quando o seu amigo morre repentinamente, perdendo o Zezé
o que ainda restava da sua inocência.
Esta história, capaz de nos fazer sentir todo o sofrimento
inerente a esta brutal perda de inocência, continua muito atual e presente nos
dias de hoje.
No entanto, Rosinha Minha Canoa, escrito anos mais tarde,
vai ainda mais longe na abordagem das emoções mais simples e puras como o amor
pelas coisas simples, a importância da amizade e infelizmente a fatal perda da inocência.
Aparentemente a fórmula mágica de sucesso repete-se aqui mas
em Rosinha Minha Canoa, é Zé Orocó que entra em cena. Quem é ele? É Madrinha Flor que nos conta, ou melhor, que
conta ao médico que irá mudar toda a vida de Zé Orocó: “ Só me alembro que
chego um home qui era triste. Que diziam que morava na cidade. Foi ficano. Morô
em muntos lugar do rio, mais pro fim preferiu aqui mermo. Todo ano, isso 'té os
dias de hoje, ele vai 'té lá em cima em Leopordina pra buscá um dinhêro que
mandam da cidade. Chamaro ele de Zé Orocó e ele fico seno Zé Orocó. É uma
história munto simpres, dotô”.
E o que tem Zé Orocó de especial que intriga o medico que
veio da cidade?
“ — Mais tudo que acuntece pelo rio a gente sabe e é Zé
Orocó que vem contá. Se chuveu no arto, se vai tê enchente grande, quando sobe
cardume... Ele sabe de tudo.
— E como é que ele adivinha?
— Diz que Rosinha conta tudo pra ele.
— Quem diabo é Rosinha?
— Uai, dotô, o nome de batismo da canoa dele!”
E a história vai-se desenrolando, descrevendo a vida simples
dos índios no Brasil, a pureza da amizade improvável entre um homem e a sua
canoa, e a intolerância dos que não entendem mas que julgam sem saber sempre
mais do que os outros. É uma história terna sobre vidas simples e que por vezes
nos tocam mais fundo, uma vez que alguns desejos podem ser universais:
“Chico do Adeus estava ali em sua frente, humilde e
esquecido do fato.
— Então o senhor não sente nada?
— Sinto, sim siô, desde minino.
— Diga.
— Vontade de viajá.
— Isso não é doença.
— Num é pruquê o siô nunca sintíu”...
Para quem não conhece a selva, o Amazonas, a vida dos índios
que se tem tentado preservar até hoje, Jose Mauro de Vasconcelos conduz-nos de
uma forma muito suave e romântica através deste mundo desconhecido. Para quem
conhece é a oportunidade para relembrar expressões, nomes e uma forma de estar
à vontade com a natureza, integrando-se nela em vez de a olhar como uma inimiga
ou até com algum desdém.
Mas a vida não corre bem a Zé Ocoró, que acaba vivendo um sofrimento
imensurável, internado e dado como louco pois acredita que fala com as canoas e
com os passarinhos. É por estes dias que a sua inocência se perde, perdendo-se
assim a sua capacidade de ser feliz com poucas coisas. São anos de muita dor, e
quando finalmente aceita a realidade que lhe é imposta e regressa ao seu canto,
percebe que já nada era como dantes e que os anos que perdeu jamais poderão ser
recuperados.
E o que é feito de Rosinha? Zé aprendeu à custa de muita dor
que “"Uma árvore é uma árvore!"…No entanto…. — Sou eu, Zé Orocó. A
voz agora era rouca e envelhecida. Virou-se agoniado e limpou a areia que se
grudara nas costas. Foi se aproximando da beira da praia, mesmo sem se
levantar. Arrastava tremulamente sua grande tristeza. Deveria estar sonhando.
"Uma árvore é uma árvore. E canoa alguma fala"….
Esta é uma história que não tem tempo nem passa de moda, um
livro que vale a pena ler pois é uma obra que ajuda também a entender um pouco
da realidade de algumas regiões do Brasil, pais enorme em área e muito
especial, que pela sua dimensão tem tantas realidades diferentes para dar a
conhecer a quem o visita.
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