Teresa Vai com as Outras - A Bruxa Má e o Livro de Histórias
“Então ela foi até um quarto secreto e isolado onde ninguém
entrava, nem se sabia que existia e fez uma maçã muito venenosa. Tinha um
aspecto tão bonito por fora, branca com faces vermelhas, que qualquer pessoa
que a visse ia querer comer. Mas qualquer um que comesse um pedacinho ia
morrer. Quando a maçã ficou pronta, ela sujou bem o rosto e se disfarçou de
camponesa. E, mais uma vez, atravessou as sete montanhas até a casa dos sete
anões”.
https://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/branca_de_neve
Os irmãos Grimm escreveram fabulas intemporais, que mais do
que histórias para crianças são avisos para os mais incautos, distraídos ou
crentes, que confiando acabam ter grandes dissabores na vida. Mas esta história
em particular também nos lembra que as mulheres, apesar de continuarem a ser,
muitas vezes, desfavorecidas na sociedade, não de protegem entre si, sendo mais
cruéis umas para as outras do que os homens em relação às mulheres.
Vivi tão intensamente o momento em que assinei a rescisão
com a TAP que quando cheguei a casa sentei-me ao computador, escrevi um texto e
publiquei-o de uma só vez no Facebook. Esse texto viralizou e hoje, passados
mais de quatro anos, posso dizer que foi um texto que mudou totalmente o rumo
da minha vida.
De entre as pessoas que leram o texto uma enviou-me uma
mensagem privada, vamos chamar-lhe Elisa.
Só sabe quem já viveu,
o que é adrenalina de publicar um texto e ficar a acompanhar o impacto nas
redes sociais. A quantidade de likes, de partilhas e as mensagens privadas que
recebemos, de pessoas que não conhecemos, mas que se reveem nas nossas palavras
e querem partilhar essas emoções com o autor ou simplesmente agradecer porque
alguém conseguiu traduzir em palavras, sentimentos profundamente guardados na
alma.
Logo após a publicação do meu texto no Facebook, a Elisa, já
combinamos chamar-lhe assim, enviou-me uma mensagem privada a dizer que tinha
gostado muito do meu texto, através dele tinha chegado ao blog e perguntou-me se
eu já tinha pensado publicar um livro. Li e reli estupefacta a mensagem dela, fui
ao seu perfil e percebi vagamente que estava ligada à edição de livros. O sol
estava já a entrar pela janela da minha alma! Não queria acreditar!
Respondi a verdade, que não, nunca tinha pensado publicar um
livro, e ela devolveu-me a resposta – Tenho uma editora, também publicamos no
Brasil, e gostávamos de publicar um livro com os textos do seu blog.
O meu coração disparou de emoção, nos últimos tempos
tinha-me convencido, ou tinham-me convencido de que o que fazia não tinha assim
tanto valor e eu, de tanto sentir acreditava e nada dizia. Escrevia mais com espírito
de missão do que com convicção, e sentia adrenalina dos likes, das partilhas e
dos convites, mas era como se fosse outra pessoa, porque eu tinha-me convencido
ou tinham-me convencido de que o que fazia não tinha assim tanto valor.
Disse à Elisa que gostava de a conhecer, trocamos números de
telefone, perguntei-lhe onde era a editora e a Elisa marcou encontro no café de
uma grande superfície em Lisboa. A primeira luz de alerta acendeu, mas apagou
logo de seguida.
A Elisa tinha um sorrisinho baixinho, tal como ela que
também era baixinha, e os olhos pequeninos, mas ainda mais pequeninos ficavam
porque ela os baixava. A Elisa explicou-me que embora o valor que eu recebesse por
livro fosse muito reduzido era muito importante publicar um livro e que ele até
podia chegar ao Brasil. Ao Brasil pensei eu, que toda a vida devorei livros de
autores brasileiros, ao Brasil, pensei eu a imaginar o Jorge Amado e a sua
amada, Zélia Gattai, a descansar debaixo das arvores, sentados no quintal da
sua Casa do Rio Vermelho em Salvador da Bahia, ao Brasil…
Acordei dos meus
sonhos com a Elisa a sorrir baixinho e a olhar para mim. Depois de uma pausa
avançou – A Teresa envia-me o seu livro para tratarmos da revisão, da capa, de
tudo e sabe, e ajudava muito se tivesse umas pessoas para escrever o prefácio e
se conseguisse tratar de uns patrocínios.
Saí do centro
comercial mais inspirada do que quando se vive o primeiro grande amor, cheguei
a casa de leve pesquisei sobre a editora, encontrei-a pelo que agarrei no telemóvel
e comecei a fazer telefonemas. Em três dias vários amigos começaram a escrever
os prefácios, outros mobilizaram-se pelos patrocínios e em quinze dias eu até
já tinha onde fazer os lançamentos, o primeiro seria na BTL, no Stand da APAVT
e era dedicado a todos os amigos do turismo, o segundo num bar bastante
badalado de Lisboa e já tinha confirmações de cerca de 30 ou 40 amigos,
bloggers, influencers e jornalistas e o terceiro, dedicado à família seria na
Foz do Arelho.
- Estou, Elisa? Bom dia! Já tenho patrocinadores!
- Estou, Elisa? Bom dia! Toda a gente que convidei para
escrever o prefácio aceitou e agora? – Agora publicamos todos! Respondeu a
Elisa com o seu sorrisinho muito baixinho.
- Estou, Elisa? Bom dia! Como vai a revisão do livro?
-Estou, Elisa? Bom dia! Como vai a capa do livro?
-Estou, Elisa? Bom dia! A data das sessões aproxima-se como está a
publicação do livro?
- Estou, Elisa? Bom dia! Já temos prova da capa? Como está a
revisão do livro?
- Estou a tratar minha querida, estou a tratar, olha, como
tens os patrocinadores, não me envias os contatos deles para fazerem os
pagamentos? Como assim pensei eu? Os contatos dos patrocinadores? Sabem aquele
momento em que a grande paixão revela o seu lado negro? Foi o que eu senti. Um
friozinho desceu-me pela espinha e respondi, - Não Elisa, não te dou os
contatos dos patrocinadores, com eles trato eu.
- Estou, Elisa? Bom dia! Este é o meu deadline para ver as provas,
se não enviares nada fica tudo sem efeito. Conforme disse isto fiquei sem
sangue, afinal só me estava a fazer de forte, o que é que eu ia fazer da minha
vida se a Elisa não enviasse as provas da capa?
No dia anunciado a Elisa, tal como eu esperava, não enviou
nada e neste momento estava a começar a ter muito pouco tempo para…para o que
Meu Deus? Eu sabia lá o que fazer! Nunca tinha pensado em publicar um livro e agora
tinha um monte de textos soltos na mão, os mais lidos do blog Teresa Vai de
Férias, tinha a minha palavra dada aos patrocinadores, o compromisso com os
autores do prefácio e não fazia a mínima ideia do que fazer a seguir. Respirei
fundo e disse a mim mesma, este livro vai acontecer!
Fiz uns telefonemas e percebi que esta editora tinha já queixas,
a sociedade portuguesa de autores aconselhou-me a registar de imediato o conteúdo
do livro no meu nome e explicou-me todos os procedimentos para poder fazer uma
edição de autor. Este foi o primeiro passo que dei e a ajuda que recebi
determinou o sucesso.
Continuei os telefonemas e enviei uma mensagem para a minha
sobrinha Rita, ela tinha experiência de revisão de textos, enviei-lhe o livro pois
ela mora na Bélgica, ela fez a revisão e devolveu-me, oferecendo o serviço. Precisava
de uma capa para o livro, a Inês Vicente que estava ainda a começar os
primeiros passos, fez a capa com um preço muito especial, comecei a respirar,
mas ainda faltava encontrar uma gráfica com um valor dentro do orçamento e que
cumprisse com o prazo por causa dos lançamentos já agendados. Os valores em
Lisboa eram muito altos, lembrei-me de consultar uma gráfica nas Caldas da
Rainha e o negócio ficou logo fechado, quando lhes expliquei o que tinha
acontecido deram-me o valor que eu precisava para fechar o negócio e todo o
apoio necessário para a produção do livro.
A emoção que senti quando abri o envelope com a primeira
prova foi semelhante a chegar à lua, não é que eu já tenha ido à lua, mas tenho
a certeza de que foi semelhante.
Quando começava a acreditar que afinal tudo ia correr bem eis
que as notícias sobre o covid começam a subir de intensidade, o cerco começa a
apertar e cada vez se fala mais em restrições e fecho de espaço aéreo, a BTL é adiada
e depois cancelada e eu sou obrigada a cancelar os outros dois lançamentos do
livro. A Gracal, a gráfica das Caldas da Rainha, fez um trabalho exemplar,
entregou os livros nos patrocinadores e a sua última entrega, antes das
empresas fecharem e de o mundo fechar, sexta-feira dia 13 de março, foram
centenas de livros em minha casa.
Fiquei com um
corredor cheio de caixas e caixas de livros fechadas, o mundo fechado, a minha
empresa que só tinha três semanas fechada, a minha vida fechada, sem fim e sem
paz à vista.
Um conjunto de fatores alienatórios, ou não, impediram-me de
ficar parada, mas isso fica para outra história.
O meu filho mais novo desafiou-me para fazer uns vídeos promocionais
para as redes sociais para poder vender os livros, fizemos os vídeos, fizemos
fotografias e apesar de tudo acabamos por nos divertir. Depois tomei-lhe o
gosto e comecei a fazer diretos do quintal da casa em Lisboa. Estava toda a
gente em casa, sem nada para fazer, com a TV inundada com mortes e drama, e o
livro sobre viagens, o Teresa Vai de Férias, vendeu-se como nunca imaginei, os
pagamentos eram feitos em formato digital e os livros seguiam pelo correio, ao
fim de pouco tempo já me conheciam no posto dos correios e acabei por fazer amizade
com o chefe do posto, uma vez que quase diariamente ia lá enviar sonhos de
vidas normais em formato de livro, em envelopes de papel pardo com um lacinho
cor de rosa, pequenas doses de felicidade em forma de viagens, que ajudaram a
levar esperança e sonhos numa época tão atroz para tantos de nós.
Os livros venderam-se todos, espalharam-se pelo país e
alguns voaram para outros lugares. As pessoas felizes com a normalidade mesmo
que temporária, tiravam fotografias e partilhavam estes pequenos momentos de
felicidade nas redes sociais e eu via e sorria.
Afinal não são só os contos dos irmãos Grimm que acabam bem,
na vida real nem sempre a historia acaba com o “foram felizes para sempre” mas neste
caso bastou-me “ ela conseguiu faze-los voltar a acreditar”.
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