Nova Carta - Refeitório Sr. Abel
Toda a gente sabe que em Marvila, naqueles edifícios lindos,
antigos, industriais, se descobre o Refeitório do Sr. Abel, um dos restaurantes
que, apesar da pandemia, mantem a porta aberta para receber os seus clientes.
Vim a Lisboa por uns dias e claro que me fui enfiar logo na
esplanada do Refeitório do Sr. Abel. Gosto de ficar cá fora, mesmo com o frio
do cálido do nosso Inverno, a apreciar o movimento das pessoas, enquanto dou
dois dedos de conversa e desfruto de uma boa refeição.
Já que não podemos viajar, e que nesta altura as saudades
daqueles tempos em que eu vivia entre viagens não passam disso mesmo, de um
molhão de saudades do que já parece ser a vida de outra pessoa, então, enquanto
esperamos que a nossa vida retome a possível normalidade, vamos aproveitar o que
ainda nos faz sorrir com prazer.
Os sabores italianos, verdadeiros e originais têm esse
efeito sobre mim, fazem-me levantar um pouco o sobrolho, e sorrir de encanto. Lembram-me
viagens a Itália, a música, os sabores intensos, o calor humano, as emoções.
Tudo o que fomos obrigados a esconder, para nos proteger, mas que ao fim de
tanto tempo começa a deixar marcas profundas na nossa vida.
Por isso, porque preciso de continuar a sorrir e de me continuar
a surpreender, hoje foi experimentar a nova carta, a de inverno, do Refeitório
do Sr. Abel.
Para entrada, Venere. O nome do prato vem do tido de arroz,
da China. Um arroz proibido porque foi em tempos reservado exclusivamente para
os imperadores. De profunda cor negra e integral, tem um gosto a frutos secos
que combinam muito bem com outros elementos deste prato como o puré de batata
doce, o salmão fumado, abacate, sésamo, parmesão e um tempero cítrico que
quebra o doce e faz a diferença no sucesso do prato.
A escolha seguinte foi Terra Nostra. Burrata, peperonata,
salsa são os componentes base num prato onde o azeite lhe confere um sabor
forte e verdadeiro. Mais uma vez os pequenos detalhes a fazer grandes diferenças
na criação e um novo prato.
Fiquei indecisa entre os Gnocci, neste caso de 4 queijos, de
que gosto tanto e uma pizza. A nova carta inclui a Pizza Della Nonna, com
beringela, cogumelos, brócolos e pecorino romano e a Pizza Del Nonno, mais
substancial, com creme de aborora, mozzarella, cebola roxa, queijo cabra, noz,
tomate cherry confit, figo seco e bacon. Estas são pizzas para apreciar na
totalidade e nem pensem em deixar de fora aquela parte mais redonda, que não
tem molho e que serve para os ingredientes não se escaparem para fora da massa.
Aqui é obrigatório comer tudo porque as farinhas usadas, que normalmente não
encontramos noutro lugar, têm características únicas, que conferem sabor e qualidade
à refeição.
Para fechar, um Chesecake de Frutos Vermelhos, bem gelado, com
um molho de frutos vermelhos vibrante e lustroso, a dar vida a uma base
saborosa, uma sobremesa que é uma promessa de que melhores dias estão para
chegar.
Embora o transito em Lisboa esteja como sempre, intenso,
ainda não se vê muita gente por Marvila. Todo o lazer, passando pela restauração,
viagens, atividades fora de casa, foram profundamente abaladas. Cabemos a nós,
a todos, aos poucos, e à medida que for possível, regressar a estes lugares,
voltarmos a viver e saborearmos cada pedacinho da nossa vida.
No final do almoço, depois de uma refeição que me fez
esquecer por uns tempos a nossa tão dura realidade, a máscara de volta à cara e
o abraço que não foi possível dar, deixo-me um amargo de boca. Sempre que me
despeço de alguém fica no ar o abraço que não foi dado, os beijos que ainda têm
de ser adiados. Uns olhares que se cruzam, tristes e cansados, já que não nos
tocamos e porque temos de deixar tudo pela metade.
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