Caldas da Rainha e As Histórias Guardadas dentro de Pedacinhos de Cerâmica

 

Parte I - Introdução

 

A tradição por aqui ainda é o que era e a cerâmica faz parte da herança cultural da região das Caldas da Rainha. E quando penso em cerâmica o difícil é saber por onde começar porque o que não falta por aqui são boas opções, bastante diferenciadas, que conseguem prender a atenção de qualquer um.

Lembro-me desde sempre da importância económica da cerâmica para a região, cresci com a cerâmica a fazer parte da vida, não da minha família, mas de muitas que me eram próximas e que tinham nesta indústria o seu meio de sustento, o que conjugado com uns produtos que vinham dos campos, da agricultura, permitia uma vida simples, mas tranquila.

A crise económica do início dos anos 2000 havia de colocar um fim ao sonho de muitos e de levar para dentro de algumas casas muitas necessidades, que só viram a ser ultrapassadas com o passar do tempo.

Naqueles tempos a cerâmica era tão banal e por isso pouco valorizada. Tinha amigos que pintavam as peças à mão, mas não eram considerados artistas, nem eles tinham pretensão a tal. A vida corria simples e devagar naquela altura e as fábricas de cerâmica faziam parte da rotina. No verão, as quermesses das festas de aldeia enchiam-se de peças de segunda escolha da Secla ou da Bordalo Pinheiro, e nós, que não íamos em modas, olhávamos aos pequenos defeitos, a não ter mais nada a fazer conjunto, e usávamos os pratos para bases de vasos enquanto os jarros ficavam abandonados nas adegas, à espera da sua vez para se encherem de vinho. Quando acabavam em cacos ninguém lamentava, havia mais espalhados pela casa.

É muito difícil saber quando é que tudo começou, provavelmente remonta à Idade Média, à altura em que a Rainha D. Leonor descobriu o potencial das águas fundando o hospital termal. Seculos mais tarde, alguns nomes distinguiram-se e ficaram para sempre ligados à cidade das Caldas como a ceramista Maria dos Cacos. Nascida em 1797, filha de oleiros, terá sido a primeira mulher que se dedicou à cerâmica e como esta profissão era essencialmente masculina na altura, ela ter-se-á optado pela à venda de cerâmica por todo o país, vendendo as peças em feiras e mercados, de norte a sul do país.

As peças naturalistas, que representavam as figuras humanas e de animais estiveram presentes em toda a minha infância. Nessa altura eram poucos os que lhe reconheciam valores, sendo habitual vermos pratos com lagostas e peixes salientes pendurados nas paredes das casas dos avós, e frangos empoleirados em troncos a decorar moveis mais altos. As cores, fortes e berrantes e o ar grosseiro e brilhante, estavam em franca oposição às tendências mais recentes que começavam a chegar da Europa, depois da abertura ao mundo ditado pelo 25 de Abril.  Ninguém sabia muito bem o que lhes fazer, já as jarras para colocar flores, essas acabavam invariavelmente nos cemitérios, a decorar as campas dos entes que eram queridos, mas que já não apreciavam a cerâmica caldense, nem tinham voz para reclamar. Demasiado Kitsch para ser usado em casa, demasiado barato e vulgar para lhe ser reconhecido valor, era assim que a maioria olhava para estas peças tradicionais.

Apesar disto muitos foram os ceramistas que se destacaram e que ajudaram a criar valor numa época em que mestres e fabricantes tinham pequenas indústrias de cerâmica, vendendo depois as peças produzidas em feiras espalhadas pelo país.

 

As Faianças Bordallo Pinheiro haviam de fazer história e de conseguir sobreviver as várias crises ao longo dos anos. Nascida em 1884, deve a sua origem a Raphael Bordallo Pinheiro, criador de peças como o Zé Povinho, o padre, a saloia, os caracóis, lagartos e macacos. Algumas destas peças estão espalhadas ao longo da cidade das Caldas, criando a Rota Bordalina, começando no largo da estação dos comboios por ser ali que ele chegava de comboio, e espalhando-se pela cidade até à fabrica, num percurso que pode ser percorrido a pé e que pode demorar cerca de 2 horas ( é possível realizar 2 rotas, uma só com as figuras e outra que inclui os azulejos do Bordallo, para mais informações contactar https://www.teresavaideferias.com/#/ ).

A fábrica destinava-se a produzir, para além da loiça tradicional, outros objetos de faiança mais fina, havendo ainda a produção de azulejos. Foram vários os prémios que recebeu a nível internacional, sendo que estes artigos históricos podem ser vistos no Museu da Cerâmica, nas Caldas da Rainha.

Comprada em 2008 pelo Grupo Visabeira, numa altura em que o fim estava muito próximo, a Fábrica Bordallo Pinheiro conseguiu reinventar-se, tendo ajudado a promover a revitalização da cerâmica portuguesa, a nível nacional e internacional, e a preservar e promover o património artístico das Caldas da Rainha, conseguindo conciliar na perfeição a tradição, a estética e a contemporaneidade.

A Secla viria a sofrer profundamente com a mesma crise, mas não teve a sorte de ser salva. Se ainda existisse teria pouco mais de 70 anos, contudo não conseguiu resistir e do seu vasto património restam muitas histórias, mas pouco mais.

É da Secla que me lembro melhor na minha infância porque na aldeia onde tínhamos a nossa casa, uma boa parte dos habitantes trabalhava na fábrica pelo que muitas famílias dependiam da sua produção para manter a sua vida. Antes de eu nascer, em meados dos anos 50 do seculo passado, a Secla empregava muita gente, apoiava o desporto local e tinha médico de serviço. Até ao final do seculo passado chegou a ter perto de 1000 funcionários e três fábricas a funcionar em simultâneo.

Um dos nomes mais ilustres da cerâmica nacional passou por lá. Ferreira da Silva, falecido em 2016, o Gaudi Caldense, deixou-nos uma vasta obra que passa pelo desenho, pintura, gravura, escultura, vitral, azulejos e cerâmica.  Nas Caldas da Rainha é possível conhecer mais profundamente este artista através da sua obra cerâmica, patente ao publico no Museu da Cerâmica, na coleção Municipal Ferreira da Silva, no Cencal ou em coleções particulares.

É ainda possível calcorrear a cidade das Caldas descobrindo uma surpreendente rota, com a duração de cerca de 3 horas, onde se descobrem obras deste artista, que incluem instalações de grandes dimensões e painéis de azulejos, com a utilização de materiais como o ferro, o vidro e a cerâmica. Surpreendente e arrojada, de uma criatividade sem limites, vale a pena descobrir a cidade, enquanto se aprofunda conhecimentos sobre esta figura emblemática na história da arte e cultura das Caldas da Rainha ( só quem é daqui pode conhecer os melhores lugares, para mais informações contactar    https://www.teresavaideferias.com/#/).

As Caldas da Rainha não me viram nascer quase por acaso pelo que, desde que me lembro de ser gente, que acompanhei os meus pais nas deslocações semanais entre as Caldas e Lisboa. Posso dizer que toda a minha vida vivi com um saco de viagem atrelado a mim o que me deu uma dimensão singular da vida, e mais tarde do mundo, quando fui trabalhar para a TAP e as viagens me levaram muito mais longe. Os anos de adolescência vividos nas Caldas, os amigos e a escola, o tempo da rádio e o meu regresso numa altura em que já viajei tanto, dá-me uma visão singular que não resisto em partilhar.

Para além da história, que explica o que somos, vou ainda contar-vos as histórias do que cá estão, que reinventaram a cerâmica e que produzem obras de arte, únicas, criativas de  elevada qualidade, mas essas histórias ficam para outro dia…..

    

  


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