Anda comigo ver os aviões



Adoro andar de avião, adoro ir, não importa para onde.

Acho que tudo começou com uma recordação muito antiga da minha infância, com certeza partilhada com tantos outros da minha idade. Lembro-me de estar no aeroporto com o meu pai, junto a uma rede que existia na altura, a ver as pessoas subirem as escadas que as levava para dentro daquele grande passarão, mágico, metálico. E as pessoas? Fantásticas, maravilhosamente penteadas, elegantes e bem vestidas.

Nessa altura não havia muito a quem perguntar sobre como era andar de avião. Não me lembro se já havia voos charter mas low cost não havia com toda a certeza, andar de avião era uma forma de mostrar status na sociedade. Eu era mínima, nem andava na escola, e não tinha qualquer ideia sobre o que se passava quando a porta fechava e o avião começava a deslizar na pista e se fazia ao céu….

Uma vez, com uns seis ou sete anos, perguntei a uma amiga, que tinha ido de férias à Madeira como tinha sido andar de avião, ela respondeu-me que era muito bom. O avião não tinha podido sair e ela e a mãe tinham sido instaladas num hotel de cinco estrelas em Lisboa (na altura não fez muito sentido para mim, se elas moravam em lisboa porque é que tinham de ficar num hotel?….) e que quando a porta se fechava as pessoas se sentiam no sétimo céu. Não percebi nada mas fiquei ainda mais curiosa sobre o que se passava e como era a sensação de chegar ao destino dentro de um avião.

Este pensamento não se tornou uma obsessão, cresci sem pensar mais nisto, exceto quando a rota destes pássaros metálicos cruzavam a minha casa, o que acontecia todos os dias, várias vezes ao dia. Adorava quando eles vinham tão baixos que os vidros tremiam, nessa altura corria para a janela para os ver passar por cima do meu prédio, também esperava ansiosamente que um dia os vidros rebentassem mas para minha tristeza tal nunca aconteceu.

Eu não percebia nada de aviões, conhecia a TAP, como todos os miúdos da escola no entanto ao contrário das minhas colegas o meu sonho estava muito longe de ser hospedeira de bordo. Tinha um espirito demasiado prático para pensar em tal.

Cresci. Os anos que passei fora de Lisboa fizeram-me esquecer totalmente os aviões. A minha casa já não ficava debaixo da sua rota e só no verão, naqueles dias mesmo muito quentes, é que eu via uns rasgos brancos num céu muito azul. Diziam-me na escola que se devia pedir um desejo nessa altura, pelo sim pelo não eu pedi, não me arrependo nada, acho que resulta mesmo, todos deviam experimentar!

Vim para Lisboa e depois para a TAP quase por acaso, sem me pensar em tudo o que acabo de contar. Concorri, demorou até ser chamada e durante o tempo de espera deixei de pensar que um dia poderia fazer parte da empresa, no entanto continuava a correr para a janela sempre que sentia um avião no ar. Os anos tinham passado, eu tinha voltado à casa da minha infância e estava tudo lá, igual, exceto as janelas….Essas já não tremiam com o barulho dos aviões como quando eu era criança.

Entrei para a empresa, cresci mais, andei muito de avião, na TAP e noutras companhias aéreas, os anos passaram, casei e tive filhos. Quando eles eram muito pequeninos levei-os muitas vezes, ao final do dia, quando saiam do infantário, a ver os aviões. Dentro do carro, junto às oficinas, eles tiveram a sorte de os ver, grandes, mágicos, metálicos, pacientemente à espera que chegasse a sua vez. Se algum estava e fazer manobras eu não podia sair dali até ele parar, os meus filhos simplesmente não deixavam. Os tempos mudaram, eles andaram a primeira vez de avião quase antes de dizerem as primeiras palavras e sentem-se tão à vontade no ar como em terra.

Os tempos mudaram mas a magia não, sinto neles a emoção de fazer uma viagem, a felicidade com que têm de suportar todos os trâmites no aeroporto, antes do embarque, como se tudo aquilo não fosse uma chatice enorme. Criei filhos iguais a mim, consegui que eles sintam da mesma maneira. Quando já somos muito adultos temos tendência a deixar de sentir com a mesma vontade, por isso é sempre bom manter crianças por perto, para nos fazerem sentir de novo com a mesma emoção.


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