Welcome aboard – não há uma sem duas




Se a minha primeira viagem de avião realizada nos anos 90 foi na Europa, a segunda em março do ano seguinte foi em direção ao Brasil.

Partimos cheias de espectativas à descoberta de um país que prometia pela quantidade de novelas que já tínhamos visto ou pela animação dos programas de radio da Radio Cidade. Nessa altura não havia quase brasileiros em Portugal e o contacto entre culturas era parco e remoto sendo feito praticamente só num sentido.

Sabíamos que o Recife, capital do Nordeste, era procurado pelas praias de cidade, situadas na Av. da Boa Viagem. Nessa altura o turismo era muito citadino e os turistas que viajavam até ao Brasil eram considerados privilegiados.

Em Portugal ainda não tínhamos descoberto sítios fantásticos como a Praia dos Carneiros, Porto de Galinhas, Pipa ou Canoa Quebrada entre tantos outros uma vez que havia poucas infraestruturas como hotéis e restaurantes e os meios de acesso eram limitados. No caso de Recife, era comum ficar a apanhar banhos de sol na piscina do hotel ou na praia, dar uma volta pela feirinha e dar um passeio até Olinda. As férias resumiam-se a pouco mais do que isto. O resto era a emoção de poder fazer praia numa altura em que estava tudo amarelecido em Portugal devido ao inverno que chegava ao fim, em provar as frutas, os doces e as diferenças das cozinhas. O momento alto do dia era sempre o café da manhã nos hotéis com uma variedade imensa de comida, a fazer contraste com os pequenos-almoços continentais a que já estávamos habituadas. Com o desenvolvimento da cidade e o crescimento da classe média no Brasil, começou a procura por alternativas para os períodos de férias começando assim a surgir condições para o desenvolvimento do turismo fora das grandes cidades.

Mas o Recife no ano da nossa primeira viagem para lá do oceano não se mostrou uma cidade acolhedora. Infelizmente fomos apanhadas por um surto de cólera o que nos levou a passado muito pouco tempo, a partir rumo ao Rio de Janeiro, onde chegamos já de noite.

Das sensações que perduram até hoje, a mais forte é a onda de calor e o cheio a um país diferente que se propaga para dentro do avião quando a tripulação abre a porta. Esse é sempre o nosso primeiro contacto com o local que escolhemos para passar férias e se estivermos atentos percebemos que diz quase tudo sobre o que vamos viver nos próximos dias.
 
Chegamos ao Rio à aventura, à procura da tranquilidade, do calor e da simpatia que estávamos habituadas a ver ao serão na TV em casa. Calor e simpatia nunca faltou nesta viagem, fomos realmente recebidas de braços abertos e acarinhadas sempre que precisamos de algum apoio. Os brasileiros confiavam naturalmente em nós, dando em troca do nosso sorriso inocente múltiplos conselhos para não termos qualquer tipo de aborrecimento por lá. Seguimos todos à risca e não tivemos qualquer problema.

O Rio de Janeiro já era uma cidade maravilhosa, aliás, o Rio de Janeiro já deve ter nascido assim, lindo de morrer, todo virado para o mar, com toda a gente a desfrutar do calor, da praia e do calçadão que domina toda a cidade. É como se a vida jorrasse do mar em direção à cidade, tudo começa e acaba ali e ninguém escolhe no Rio um hotel que não fique em cima do calçadão. Eu nunca o fiz, se não se vê o mar não faz sentido estar no Rio.

O Rio de Janeiro dos anos 90 não era uma cidade fácil, a onda de arrastões surgiu nesta altura nas praias do Rio. Esta era a época em que a moeda brasileira desvalorizava todos os dias, os preços subiam todos os dias e nós trocávamos dólares todos os dias. No meio desta loucura financeira cada dia que passava tínhamos mais dinheiro disponível para gastar e estas foram as férias em que me senti quase milionária.

Nos anos 90 o Brasil vivia uma época negra a nível financeiro e isso notava-se nas ruas da cidade. O desemprego era impressionante tal como o número de assaltos e de crianças que viviam abandonadas à sua sorte, sozinhas nas ruas. Para sermos turistas de sucesso tínhamos de conseguir passar despercebidas pois no meio de tanta carência social havia também muito desespero. Em setembro de 1992, o Congresso Nacional aprova o impeachment do presidente Fernando Collor, assumindo o vice-presidente Itamar Franco; Em julho de 1994 tem inicio o Plano Real, criado para diminuir e controlar a inflação no Brasil; Em janeiro de 1995, toma posse como presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso.

Mas era também o Brasil dos contrates, em simultâneo em junho de 1992, decorreu no Rio de Janeiro o encontro mundial para o meio ambiente, o ECO 92, e em janeiro de 1991 começa a segunda edição do festival musical Rock in Rio no Maracanã. Em nove dias de espetáculos, mais de 700 mil pessoas ouviram nomes de peso como Guns N’ Roses, Faith No More, Judas Priest, Megadeth, Deee-Lite e A-Ha. Os cantores brasileiros de sucesso na época eram Zeca Pagodinho, Roberto Carlos, Tim Maia, Gabriel, o Pensador, Leandro e Leonardo, Marisa Monte, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Cesar e as mensagens das suas letras eram fortes e ficavam na nossa memória.

O Rio de Janeiro dos anos 90 representou a nível pessoal a abertura para o mundo, depois desta viagem todas as outras que se seguiram, muitas delas em trabalho, viriam a ser muito mais fáceis.

Deste tempo ficou na memória o esforço para parecermos o mais brasileiras possível, os passeios de autocarro à procura dos locais turísticos para visitar, a vista da Barra da Tijuca, a Vista do Cristo Rei, o passeio de barco pelas ilhas, num local maravilhoso onde a água é de um límpido verde-esmeralda verdadeiramente inesquecível, as compras, a quantidade de bikinis que experimentamos, a agua de coco, os câmbios que eram feitos dia a dia a quem nos oferecesse a mais, o calor de março, a agua fresca do mar….O mar….Aquele que víamos do quarto.

O Rio de Janeiro correspondeu totalmente ao que eu imaginava quando era muito miúda, sentada na sala de uma das minhas tias. Naquela sala havia um quadro que dizia Rio de Janeiro e mostrava uma paisagem semi tropical. Tudo o que vi através daquele quadro, naquela sala quando era tão pequena, viria a materializar-se de forma quase inexplicável nesta minha viagem. Dizem que existem coisas que estão destinadas a acontecer….É bem possível que assim seja.  

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