Arte Nas Caldas da Rainha, a Emoção que Embala o Coração
Ao fundo a TV desfila baixinho um programa sobre a Amália
Rodrigues, fantástico com a tecnologia a mantem tão viva e real, de tal forma
que quase que acreditamos que ainda nos podemos cruzar com ela ao dobrar uma
qualquer esquina em Lisboa.
A noite vai longa e eu, sentada na sala, sinto-me envolver
pelo silencio tranquilo da casa e pela quietude de uma noite de inicio de
outono, onde promessa da renovação se faz sentir na temperatura que já está
mais baixa e na humidade que regressa de mansinho para ocupar o lugar que lhe
tinha sido roubado pelo calor, Intromissivo e pouco delicado, quase grosseiro,
que nos preencheu a vida dos últimos meses.
A TV embala-me o pensamento, mas a alma já saltou para outra
mulher, por momentos, Como Água para Chocolate e Laura Esquivel distraem-me da
escrita. Olho para a televisão enquanto recordo a trama e penso que tenho de tenho
de voltar a ler este livro, onde a cozinha e as mulheres, as emoções e a
gastronomia, tecem o fino fio da vida e das emoções que nos preenchem a consciência
fazendo despertar sentidos adormecidos.
A minha atenção está de volta à televisão e enquanto a
Amália canta “Foi Deus” eu paro a escutar a letra da música e deixo-me levar
novamente, enquanto permito que a poesia ocupe suavemente a minha consciência:
Não sei, não sabe ninguém
Porque canto fado, neste tom magoado
De dor e de pranto
E neste momento, todo sofrimento
Eu sinto que a alma cá dentro se acalma
Nos versos que canto
Foi Deus, que deu luz aos olhos
Perfumou as rosas, deu ouro ao sol e prata ao luar
Foi Deus que me pôs no peito
Um rosário de penas que vou desfiando e choro a cantar
E pôs as estrelas no céu
E fez o espaço sem fim
Deu luto as andorinhas
Ai deu-me esta voz a mim
Se canto, não sei porque canto
Misto de ternura, saudade, ventura e talvez de amor
Mas sei que cantando
Sinto o mesmo quando, se tem um desgosto
E o pranto no rosto nos deixa melhor
Foi Deus, que deu voz ao vento
Luz ao firmamento
E deu o azul nas ondas do mar
Ai foi Deus, que me pôs no peito
Um rosário de penas que vou desfiando e choro a cantar
Fez o poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu flores à primavera ai
E deu-me esta voz a mim
Deu flores à primavera ai
E deu-me esta voz a mim
E nas Caldas Foi Deus que Deu Vida aos Artistas
É tarde e eu estou na Foz do Arelho, região onde as artes
fizeram sempre parte da vida e embora nem sempre compreendidas por todos,
porque a dureza do trabalho no campo não se compadecia de certas coisas, a arte
integrou a vida e fez-se importante de forma singela, na música tocada nas bandas
filarmónicas ou dançada nos ranchos folclóricos. Mas a arte foi levada muito
mais longe, até ao teatro, e claro as artes plásticas onde a cerâmica foi
talvez a sua expressão mais poderosa.
Hoje o dia foi vivido no feminino, com mulheres que
escolheram mudar as cores da vida. Pelas paredes, em cima de moveis recuperados,
os tons de África, as cores da cerâmica das Caldas, retratos inocentes que
incorporam a vida.
A vida, sempre a vida, que nasce da mulher e os reencontros
que de quem nunca se viu.
Sara Cardina conhecem? A arte na forma de mulheres que
respiram tons quentes, folhas, passarinhos, muitas flores, peixes, tudo o que
por vezes já nem nos lembramos, mas que ainda existe e que nos ajuda a criar um
mundo mágico, emotivo, colorido, vibrante e cheio de emoção.
Impossível não sorrir suavemente ao ver como combinam tão
bem todas as peças, todas as cores, um puzzle gigante, o mundo vibrante de Sara
Cardina, fechado em pequenas caixas, arrumado por temas, e que de forma natural
saltam, sacodem um pouco o pó e se combinam entre si, numa parede ou noutro
lugar qualquer, criando murais felizes.
O grés, trabalhado com carinho, ganha vida, nunca perdendo a
sua origem que é a sua inocência, dando forma a pratos, travessas, peças
decorativas, azulejos, copos e até lavatórios para casas de banho. Pequenas e
doces obras de arte, luminosas e brilhantes, delicadas e matriarcais. Para
apreciar com tempo e integrar na nossa vida.
Recomendo uma visita ao Atelier da Sara Cardina, porque
tenho a certeza de que após essa visita, a vossa vida, com um pouco da Sara por perto,
vai ser muito feliz e colorida.
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